Meu Caro,
Na última croniqueta demonstrava eu a minha a esperança de que a epidemia dos ataques com lasers verdes não chegasse à nossa Aviação. Pura ingenuidade da minha parte. Ainda não eram nove da manhã já eu começava a receber mensagens dos Meus Caros, desenganando-me. Os ataques já estão na moda neste jardim à beira mar plantado. A estupidez superlativa já cá está instalada. Vamos desenvolver o tema.
Para continuar vamos prosseguir com a análise dos pormenores do novo sistema de Self Briefing Meteorológico do IPMA.
Terminarei os temas com um problema de Comunicações do qual resultou um “near miss”, daqueles muito apertados, entre dois Boeings 737-800 no aeroporto de Oslo.
O PERIGO DOS LASER PARA OS PILOTOS DE AERONAVES – Parte II
Na semana passada terminava o tema da croniqueta subordinado a este título com as seguintes palavras: “ - Espero que esta moda imbecil nunca pegue em Portugal. Um desejo do Fernando.”
Não eram 09h00 (LT) já eu estava a receber mensagens de alguns dos meus Caros informando que a moda já cá tinha chegado! Afinal, eu havia cometido um erro de raciocínio: tinha-me esquecido que o “portuguesinho”, numa postura completamente alarve, não perde uma oportunidade de importar tudo quanto é mau.
Um dos meus ex-alunos experimentou, ele próprio, a “graça” do laser verde. Disse-me ele:
“ - Só para informação, a moda estúpida dos lasers já chegou infelizmente a Portugal. Em Agosto deste ano, num voo da TAP Praga - Lisboa, vinha eu no cockpit com os pilotos, e no “vento de cauda esquerdo” da 03 em LPPT (algures à vertical de Loures), vimos um laser verde vindo do chão.
O Cmdte praguejou e disse-me que era a 2ª vez, naquela semana, que aquilo lhe acontecia. Felizmente íamos a 3.000 ft e a luz não prejudicou os olhos da tripulação…”
Fiquei absolutamente convencido. Felizmente, na cidade onde vivo actualmente, apesar de haver o culto das “americanices” – afinal a América está tão próxima - ainda não chegou a moda dos lasers verdes cujo elemento emissor é composto por uma mistura de hélio-néon. Eu estava desactualizado neste particular. Efeitos da distância ao Continente.
Estás recordado do tema “RODOPSINA, A MOLÉCULA QUE TE PERMITE A VISÃO” que debati na minha crónica Nº 365 de 21 de Junho passado?
Se tiveres lido com atenção este tema tens meio caminho andado para perceber o verdadeiro perigo deste acto de banditismo que se tornou moda,
Como sabes, a palavra LASER é um acrónimo inglês para “Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”. Não me vou pôr a teorizar sobre o laser. Limito-me a dizer que estes sistemas electroópticos têm a particularidade de enviar um feixe de luz:
Monocromática (visível ou invisível), comprimento de onda bem definido,
Coerente (todas as ondas dos fotões que compõem o feixe estão em fase) e
Colimado (propaga-se como um feixe de ondas praticamente paralelas normalmente limitado a uma abertura de 0,001 esterradiano).
Do facto de o feixe laser ser colimado - por outras palavras, por se transmitir como se de um feixe cilíndrico ultrafino se tratasse e não como as habituais fontes de luz que radiam de uma forma esférica em todas as direcções, com estes dispositivos electroópticos - obtém-se uma densidade energética por unidade de superfície bastante elevada.
Se pensares que a luz que chega à nossa retina é proporcional à abertura da pupila e que esta abertura, comandada pelo cérebro, é proporcional ao nível de iluminação médio do campo total de visão, qual diafragma de câmara fotográfica, concluis que, num ambiente escuro de um cockpit, após o pôr-do-sol, os pilotos vão ter a sua pupila completamente aberta. Afinal, uma abertura proporcional ao nível de iluminação.
O comando cerebral de abertura da pupila comporta-se como um fotómetro de campo que pouco é influenciado por um feixe laser colimado. Para isso teria de ser um fotómetro pontual. Porém, a natureza humana não funciona assim, pelo que a pupila vai manter-se completamente aberta sem defender a retina de exposições de alta intensidade. Isto poderá mexer com o mecanismo fisiológico da rodopsina ou, in extremis, provocar um ponto cego na mácula. É tudo uma questão da energia que atinge a vista.
Esta problemática dos laser’s verdes tem uma componente muito grande daquilo a que se convencionou chamar “Security”, um aspecto da segurança que eu sempre me propus nunca abordar nesta minha crónica. Um problema de “Polícia” porque de um crime se trata. Porém, a “Safety” não está arredada do problema. Como tal, a Civil Aviation Authority do UK, atenta ao problema emitiu, em 13 de Abril de 2012, uma SAFETY NOTICE SN-2012/005 que te aconselho muito vivamente a leres. Para tal basta seguires a hiperligação.
Deste documento penso ser relevante retirar alguns pontos que considero importantes para “ultrapassar,” de algum modo, a problemática desta acção criminosa.
Comecemos por fazer ressaltar o seguinte: os dois efeitos imediatos de um ataque com laser’s verdes são: a distracção e a ansiedade. Vejamos as características de um ataque com laser:
- É sempre repentino;
- É sempre muito brilhante;
- Provoca distracção;
- O encandeamento resultante do laser verde pode provocar a invisibilidade de um ou de vários instrumentos;
- A visão nocturna pode ser definitivamente comprometida;
- Mesmo que os olhos não tenham sido atingidos directamente, instintivamente o piloto olha directamente para o feixe laser; e
- Nalguns casos, depois do ataque, podem aparecer “pós imagens” retinais, cegueira temporária ou permanente.
Vejamos agora o que os pilotos devem fazer “Durante e Imediatamente Depois do Ataque”. No caso de a tua aeronave ser deliberada e persistentemente iluminada por um laser verde, são recomendadas as seguintes acções imediatas:
- Não olhes para o feixe e protege os olhos o máximo que possas.
- Informa o ATC, logo que possas, que sofreste um ataque com um laser verde, em particular se tiveres tomado a decisão de divergir para outro aeródromo alterando o teu plano inicial de voo.
- Assume a possibilidade de ligares o autopilot (se este se encontrar desligado, naturalmente) ou de passares a pilotagem ao outro piloto se este não tiver sofrido grandes efeitos do ataque.
- Se o avião tiver sido apanhado na aproximação, considera a hipótese de borregar.
- Liga as luzes do cockpit.
- Evita esfregar a vista de modo a reduzir a possibilidade abrasão da córnea
Estes são só alguns tópicos retirados da Safety Note SN-2012/005 da CAA. Como afirmei atrás, este tema tem uma forte componente de Security. Assim, resta-me lembrar às entidades competentes a sua obrigação de produzirem legislação que penalize vigorosamente esta acção criminosa. Um conselho do Fernando. Q
METEOROLOGIA – NOVA VERSÃO DO SISTEMA SELFBRIEFING – Parte III
Esta semana vamos continuar a nossa análise do novo Sistema de Self Briefing Meteorológico lançado recentemente pelo IPMA.
Como vimos na croniqueta anterior o sistema permite a possibilidade de obtenção do briefing para um voo singular ou para voos contidos numa livraria de voos arquivados, livraria da qual se escolhe um voo para obtenção de informação.
Na semana passada criámos um voo denominado “Horta / Barajas”, ligando os aeroportos LPHR e LEMD.
Para começar a nossa análise de hoje vamos fazer a definição do voo, iniciando esta pela identificação do aeródromo de partida, no presente caso LPHR. Note-se que o sistema apresenta, por defeito, como aeródromo de partida, LPPT. Há que ter cuidado com esta particularidade para não gerar um voo erróneo.
Por defeito, o Sistema apresenta como aeródromo de partida o aeroporto de Lisboa: LPPT.
Se souberes o código ICAO do aeródromo de partida poderás colocar de imediato esse código no respectivo campo. Caso não conheças o código, o Sistema tem um mecanismo de ajuda que permite pesquisar aquele.
Vejamos o exemplo para o Aeroporto da Horta. Se aliciares sobre a imagem da lupa abre-se a janela seguinte onde vais introduzir, quer o “Nome do Aeroporto”, quer o “Nome da Cidade”, quer o próprio “Código ICAO”.
Janela de pesquisa do código do aeródromo de partida.
Preenchida a caixa com uma das três opções, o utilizador, de seguida, clica no botão “Search” obtendo, como resposta, a janela completamente preenchida:
Hipóteses de escolha para poder atingir o código ICAO com que o Sistema preencherá automaticamente o campo referente ao “Aeródromo de Partida”.
As quatro hipóteses de escolha são:
- Código ICAO
- Código IATA
- Nome da cidade
- Nome do aeródromo
No caso vertente, todas as hipóteses de escolha vão conduzir ao preenchimento automático do campo “Aeródromo de Partida”. Assim, se escolheres a opção “City” aparecerá o código ICAO na caixa deste aeródromo.
Veremos, para o caso do aeródromo de chegada, um exemplo de situação múltipla.
O campo “Departure” devidamente preenchido com o Código ICAO.
Vamos considerar que o voo “Horta / Barajas” é um voo sem “Stop-overs” ou “waypoints” definidos.
Para o preenchimento do campo “Destination” vamos proceder exactamente como se procedeu para o aeródromo LPHR. Como Madrid tem diversos aeródromos escolhemos o nome da cidade para forçar a situação mais polivalente.
Pesquisa do código para “Departure” a partir do nome da cidade.
Accionemos o botão “Search”. Aparecerá, então as seguintes respostas possíveis:
Aeródromos ou equivalentes da cidade de Madrid
Escolhamos a opção “Madrid Barajas International”. De imediato o campo “Destination” aparecerá preenchido com o respectivo código ICAO.
Campo do “Aeródromo de Chegada” devidamente preenchido com o código ICAO de Madrid (Barajas).
Para a semana continuaremos a definir o voo “Horta / Barajas”. Até lá nunca te esqueças de que, antes de qualquer voo, deverás recolher a informação meteorológica da zona onde se desenrolará o voo. Só assim evitarás surpresas desagradáveis. Um conselho do Fernando. Q
COMUNICAÇÕES – O RISCO DA TROCA DE UM SIMPLES CALL SIGN
Em 31 de Outubro de 2012, no Aeroporto de Oslo, aconteceu um “near miss” muito grave entre dois Boeings 737-800 da companhia Norwegian Air Shuttle. Um incidente que aconteceu com dois Boeings como poderia ter acontecido com duas aeronaves ligeiras.
Se quiseres conhecer a versão em língua inglesa do Relatório de Incidente do Accident Investigation Board Norway Nº 2013/25 basta seguires a hiperligação. Não te recomendo a versão norueguesa…
O incidente, se bem que grave, foi relativamente simples. A situação complicou-se substancialmente depois da intervenção do ATC devido a uma simples confusão de call-signs entre os dois Boeings. Estas aeronaves tinham atribuído, respectivamente, os call sign “NAX740” e “NAX741”. Uma situação perigosa dada a semelhança dos códigos e a fazer lembrar duas aeronaves Cessna, portuguesas, com as matrículas CS-AHI e CS-DIH que voavam muitas vezes em simultâneo nas mesmas áreas. Confusão entre “Charlie Hotel India” e “Charlie India Hotel”.
A situação ocorreu quando o Boeing NAX741 teve de executar um “missed approach” e o Boeing NAX740 descolava, ambos no Aeroporto de Oslo.
O voo NAX741 (matrícula LN-DYC) fazia a aproximação a Oslo vindo de Trondheim com forte vento de cauda na final. Segundo os investigadores do incidente, os pilotos do voo NAX741 manobraram de um modo irrealista esperando poder estabilizar a “final” antes de atingirem os 1.000 ft Above Fiel Elevation. Quando finalmente perceberam que não conseguiam estabilizar com segurança, resolveram, mesmo no limite da “final”, executar um “missed approach”. Esta manobra tão tardia já não era esperada, nem pelo controlador da “aproximação”, nem pelo controlador da “torre”.
Nestas circunstâncias, o voo NAX741 entrou em conflito com a partida simultânea do voo NAX740 (matrícula LN-NOM) com destino a Trondheim.
No momento do incidente as condições de visibilidade eram tais que o controlador da “tower” não conseguia manter separação visual entre as duas aeronaves. Ambas estavam em fase de subida, uma atrás da outra. O controlador da posição “tower” instruiu o voo NAX741 para divergir para oeste. Nessa altura dá-se uma confusão de “call sign’s” que leva o voo NAX740 a executar a “clearance” dada ao voo NAX741. As duas aeronaves aproximaram-se na horizontal até a uma distância de 370 m, com uma separação vertical de 152 m. Perante estes parâmetros, o AIBN concluiu que a situação criada foi de um grave risco de colisão, ultrapassada porque, quer os pilotos, quer o controlador da posição “tower”, mantiveram uma consciência correcta daquilo que se estava a passar.
Nesta figura pode-se ver a separação entre o voo NAX740 e o voo NAX741. A “slant distance” (linha vermelha) entre as aeronaves era de 352 m segundo o AIBN.
Este incidente, em minha opinião, vem mostrar duas coisas:
- A necessidade de manter grande atenção, quer por parte das tripulações, quer por parte dos diversos sectores do órgão ATC em qualquer aeródromo. Uma atenção a respeitar durante toda a manobra. Uma atenção que deve variar de forma inversamente proporcional à distância a que a aeronave se encontra da área do aeródromo;
- A importância das comunicações, que deverão ser feitas no respeito das regras ICAO, com a velocidade adequada, evitando pronúncias ou sotaques que tornem difícil a sua correcta compreensão.
Esta é a opinião do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.