NOTA DE ABERTURA

Meu Caro,

Na croniqueta da semana passada fiz uma análise mais aprofundada da problemática da Apneia do Sono, uma síndroma perigosa para os pilotos. Nesta minha análise esclareci a posição da AOPA USA, uma posição absolutamente contra a imperiosidade dos pilotos com um IMC (Índice de Massa Corporal) igual ou superior a 40 serem submetidos ao despiste obrigatório da Síndrome de Apneia-Hipopneia Obstrutiva do Sono. Tive a oportunidade de te explicar o motivo pelo qual eu estava contra a posição colectiva dos meus consócios. E continuo a estar. Porém, agora percebi melhor o porquê da posição de negação dos americanos. Nas notícias que recebi na sexta-feira passada percebi a quantificação dos valores monetários em jogo na realização de uma polissonografia e para a eventual aquisição de um AUTO-CPAP (ventilador automático que evita a apneia). Uma situação destas pode custar entre 1.000 USD e 5.000 USD. Mesmo para um americano, é dinheiro. Porém, não consigo entender como se põem quantias deste montante à frente de vidas humanas. Como diriam certas pessoas: “Pontos de vista!”. Felizmente em Portugal os custos são substancialmente mais baixos e são suportados pelo SNS. Uma vantagem que os americanos, no seu liberalismo, não têm mas que nós felizmente (ainda!) temos.

Nesta crónica, depois das GPIAA News, vou continuar com a minha análise da nova versão do Sistema de Self Briefing Meteorológico do IPMA.

Depois proponho-te uma análise crítica à postura de um grande número de pilotos que estão sempre prontos a diabolizar os erros dos outros. A aterragem do DreamLifter em Jabara Fied foi um verdadeiro catalisador para a maledicência. Talvez fosse mais positivo tentar perceber porque é que as coisas acontecem antes de deixar as línguas viperinas funcionarem. Talvez melhorássemos alguma coisa ao nosso airmanship.

Terminarei analisando uma “curiosíssima” técnica de aterragem de emergência que, apesar de ser muito pouco ortodoxa, resultou em pleno.

Espero passar-te alguns bons motivos para te tornares um melhor Piloto, para que assim possas aumentar o nível da Segurança Operacional. Q

ÚLTIMA HORA

2012-01-25 NAV Amendments

NOVA EMENDA AO MANUAL VFR

011-2013 - DATA DE EFECTIVIDADE 13 DEZ 2013

Para acederes ao conteúdo global da emenda 011-2013 basta seguires a hiperligação. Não te esqueças que a Informação Aeronáutica é fundamental para a Segurança Operacional.Q

GPIAA News

Foi publicada na página electrónica do GPIAA a resposta a Recomendação de Segurança, formulada pelo GPIAA, no Relatório Final 01/INCID/2004, homologado em 11 Novembro de 2005 na sequência da investigação ao Incidente com o Airbus A320, matrícula CS-TQE, ocorrido no Aeroporto da Madeira, no dia 02 de Janeiro de 2004, provocado pelo colapso do trem de nariz na manobra de “push-back”.

A recomendação de segurança formulada à Airbus:

SAFETY ACTION”

“In view of these findings and considering that the recommendations 4.2, 4.3 and 4.4 stated in SCF/SYS/N/09/7430 have been implemented, the Investigation Commission recommends that Airbus issues a Service Bulletin to mandate all operators, using the same type of landing gear selector valve, to perform an inspection of static seals for any assembly fault. 

Consequentemente, a Airbus, levou em consideração esta recomendação, (seguir a hiperligação para aceder ao texto completo da AIRBUS) procedendo à sua aplicabilidade nos modelos indicados.

Apesar de este incidente ter ocorrido já há alguns anos, apraz-nos sempre perceber que os nossos técnicos pudessem ter colaborado na revisão de uma situação menos segura, existente numa frota de aviões espalhada por todo o mundo. Q

METEOROLOGIA – NOVA VERSÃO DO SISTEMA SELFBRIEFING – Parte V

2013-04-01 IPMA Self-Briefing

Prosseguindo na minha análise do novo Sistema de Self Briefing Meteorológico do IPMA (que designaremos abreviadamente por SSB) vou partir do pressuposto de que o voo de teste entre LPHR e LEMD já foi catalogado no ficheiro de voos. Assim, depois de ter realizado o “Login” o sistema apresenta-me o seguinte quadro:

2013-12-04 Selfbriefing #17

Onde eu posso escolher de imediato o voo pretendido. Porém, na primeira vez que o voo foi criado este tinha um ETD para as 19:00. Para poder alterar este parâmetro o SSB apresenta-me, na parte superior do écran, um outro quadro representado na imagem seguinte.

2013-12-04 Selfbriefing #18

Escolhendo a opção inscrita na primeira caixa “Flights” esta vai apresentar três novas opções a saber:

2013-12-04 Selfbriefing #19

No caso presente vou escolher a 1ª Hipótese para me permitir alterar o ETD, que vou mudar na respectiva janela para as 2300.

Passemos, agora, ao grupo de informação seguinte. O Grupo “Other aerodromes & stations”

2013-12-04 Selfbriefing #20

Se se clicar no botão “Calculate default values” o SSB vai preencher automaticamente os dois campos vazios

2013-12-04 Selfbriefing #21

Falta-nos escolher a “Altitude” do voo. Para tal, no grupo de campos intitulado “Charts” façamos a nossa escolha: o FL360.

2013-12-04 Selfbriefing #22

Na próxima croniqueta iremos ver como se escolhem as cartas meteorológicas pretendidas. Até lá, nunca te esqueças do conselho do Fernando: estudar a Meteorologia de rota para todas as viagens que fores realizar. É um factor chave da Segurança Operacional. Q

PORQUE SÃO OS PILOTOS TÃO CRÍTICOS ENTRE SI

Uma coisa que sempre verifiquei ao longo dos anos foi a falta de complacência que existe entre os pilotos. Lembro-me bem daquilo que se passava comigo e com outros pilotos quando estávamos calmamente na esplanada do bar do aeródromo a tomar a nossa “bica”. Bastava um Cessnazito entrar para a final e todos se viravam para a aeronave, alguns mesmo pondo-se de pé para que não lhe escapasse um pormenorzinho que fosse para basear a sua maledicência.

Se o avião vinha com uma asa mais em baixo para se defender do vento era porque o piloto não sabia voar de asas niveladas. Se o piloto dava um ou dois saltinhos porque o vento estava inserto, vinham logo as bocas do tipo “…este está a precisar registar aterragens…”. Os exemplos dariam para encher páginas.

As observações, muitas com alguma razão de ser, raramente tinham a finalidade de aprender alguma coisa com as coisas menos bem bem-feitas pelos outros. Eram sempre com uma total falta de complacência. Porém, nas conversas de porta de hangar, às vezes contavam-se mentiras maiores de que uma locomotiva das pesadas. Como diria o nosso Raul Solnado de Boa Memória: Feitios!

Ora, na semana passada, aconteceu o impensável. Um super cargueiro Boeing 747-400 Dreamlifter.

2013-12-02 Boeing 747-400 Dreamlifter

Super cargueiro B747-400 Dreamlifter destinado a transportar componentes especiais da Boeing.

Destinado a aterrar na Wichita McConnell Air Force Base acaba por aterrar no Jabara Field, um aeródromo próximo de Wichita.

Na Net chovem comentários para todos os gostos diabolizando os incompetentes que têm como destino um dado aeródromo e acabam por aterrar noutro. Como pode a Boeing entregar um avião destes e a sua carga a um incompetente deste calibre? A um incompetente que, se calhar, tem dezenas de milhares de horas de voo e ganha “fortunas”. Os comentários negativos da “pilotagem” foram certamente os mais negros. Afinal, denegrir é fácil.

Se me permitires, com o auxílio de diversa informação recolhida, vou analisar o problema com complacência e sem “parti pris”.

Como já disse atrás o voo destinava-se à Wichita McConnell Air Force Base mas acabou no Jabara Field, que dista cerca de 10 milhas do primeiro. Para quem não sabe, a região de Wichita tem uma das maiores densidades de aeródromos dos USA.

Por causa dos ventos predominantes na região, quase todos os aeródromos de Wichita têm as suas pistas com uma orientação Norte/Sul o que os torna ainda mais difícil de distinguir. Por outro lado, todos os tráfegos que chegam ou partem da região de Wichita entram e saem com o mesmo heading.

Mais um pormenor. McConnell e Jabara estão afastados menos de um grau geográfico um do outro, uma distância não detectável a olho nu.

Do ar, durante o dia, as pistas pavimentadas, se as conseguires visualizar completamente, parecem pequenas fitas pretas contra um fundo desordenado. À noite, altura em que o Dreamlifter se encontrava a chegar a Wichita, normalmente só conseguirás mesmo visualizar a pista à qual estás apontado. Mesmo assim só verás as luzes de pista.

Todas as noites os aeródromos certificados têm um farol com luzes coloridas segundo uma ordem bem definida, de modo a que se possa fazer a identificação correcta do aeródromo que se tem à frente. Nos aeródromos de tráfego civil, os faróis rotativos emitem “flashes” de cor verde ou branca. Nos aeródromos militares, o “flash” branco é sempre duplo o que os torna facilmente distinguíveis. No caso de McConnell, a base estava equipada com um farol que emitia um par de relâmpagos brancos. Ao invés, o farol de Jabara, emitia um relâmpago branco simples.

Apesar destas diferenças, continua a não ser fácil distinguir o aeródromo certo, especialmente de noite. Basta escapar um pormenor. No caso vertente parece que a tripulação falhou todos. Isto pode acontecer devido a um fenómeno psicológico denominado “confirmation bias”. E o que é este fenómeno? É a tendência que as pessoas têm em favorecer a informação que confirma aquilo em que acreditam ou as hipóteses que lhes parecem certas.

Pessoalmente, durante a minha actividade como piloto, fui atacado uma vez pela “confirmation bias”. Andava eu a treinar Rallye Aéreo numa zona entre Córdoba e Ecija, em Espanha. Procurava pistas agrícolas para nelas aterrar e assim treinar aterragens curtas. A certa altura do voo vejo uma pista asfaltada, pequena, ideal para treinar. Meto o C172N numa final certinha para aquela pista de asfalto. Porém, no momento da final curta verifiquei que a pista escura não era de asfalto, mas sim um campo rectangular semeado de couves de folha bastante escura. Meu Caro, acreditei naquilo em que queria acreditar. A realidade, essa sim, era bastante diferente.

Os pilotos do Boeing Dreamelifter parece terem acreditado que, ao verem a pista de Jabara Field, estavam a encaminhar-se para a pista de Wichita McConnell Air Force Base. Como tal deixaram de ligar a todos os pormenores que os levariam a concluir pela negativa tomando somente atenção ao QFU da pista. Por azar, os QFU’s de ambas as pistas eram iguais.

Uma pessoa que acredite em qualquer coisa (tal como ter localizado a pista correcta) tende a descartar a evidência do contrário daquilo que assumiu como correcto (como convencer-se que o aeródromo não se encontra representado na posição correcta do mapa) e a servir-se daquilo que suporta a sua suposição (tal como o aeródromo encontrar-se alinhado à frente do avião).

Houve, ainda, outros pormenores visuais em que a tripulação não reparou. McConnell tem diversas pistas paralelas. Jabara uma única pista. Três das quatro pistas de Wichita McConnell Air Force Base têm sistemas avançados de luzes de aproximação que levam as aeronaves à pista. Jabara não possui nenhum destes sistemas nas suas pistas.

Muitos mais pormenores se poderiam referir na distinção do aeródromo de Jabara e da  Base de McConnell. Porém, a tripulação teria sido dominada pela “confirmation bias” e aterrou onde não devia. Já em 2012 um C-17 aterrou numa pequena pista da Flórida. Pilotos incompetentes de baixo nível profissional? Com certeza que não! A razão desta aterragem fora do destino do Dreamlifter muito provavelmente deriva do citado fenómeno psicológico. Eu próprio, já participei num voo em que vi o “pilot flying” ser atacado pela “confirmation bias” e levar-nos para um aeroporto a mais de 100 km de distância absolutamente convencido que estava a levar a aeronave para o destino correcto. Como eu era o “non flying pilot” pude apreciar como, psicologicamente, um piloto acredita naquilo que quer acreditar, atirando para trás das costas a verdadeira realidade. Contudo, nem uma vez que fosse pensei chamar “incompetente” ao piloto. A psyche atraiçoa-nos e nós não damos por isso.

Evita clamar por incompetência sem conheceres os factos a fundo pois podes estar a ser injusto. Um conselho do Fernando. Q

ATERRAGENS DE EMERGÊNCIA – UMA TÉCNICA MUITO ESPECIAL

Enquanto nós fazemos aterragens standard utilizamos todos praticamente a mesma técnica com pouquíssimas variantes. Porém, quando se trata de uma aterragem especial de emergência aparecem variantes, quantas vezes “inventadas” no momento, que nos deixam de boca aberta tal é o grau de “variante”.

Vejamos uma breve descrição de uma aterragem de emergência que terminou bem, visto a aeronave e os seus passageiros terem saído quase que incólumes da mesma.

O acidente passou-se com o piloto-chefe de um serviço de ambulâncias aéreas que, no momento, pilotava um avião Cessna 402B, com nove passageiros (o máximo da lotação).

2013-12-02 Cessna 402B

Cessna C402B semelhante à aeronave acidentada

Quando o piloto se preparava para aterrar no seu destino final, depois de baixar o trem, verificou que a luz indicadora de posição do trem de proa se mantinha apagada. Os procedimentos da praxe: diversas passagens baixas para que, de terra, pudesse ser verificada a veracidade de o trem de proa permanecer recolhido. Teimosamente, este mantinha-se dentro da fuselagem, sem dar mostras de querer sair para cumprir com a sua função.

O piloto, homem com mais de 1.000 horas de experiência neste modelo, começou a realizar os preparativos para a aterragem de trem de proa na posição “em cima”. Um dos grandes receios do piloto era a possibilidade de um dos trens principais colapsar durante a aterragem o que significaria que a ponta da asa onde está instalado o “tip-tank” tocaria a pista e, muito provavelmente, daria inicio a um fogo que certamente acabaria numa explosão com todos os riscos que isso significaria.

Depois de diversos circuitos para tentar baixar o trem de proa, e perante a não resolução do problema, James Wells, o piloto da aeronave teve de tomar a decisão final de aterrar. A primeira decisão que tomou foi a de fazer deslocar para o fundo da cabina o passageiro que viajava a seu lado, pessoa de porte pesado. James mandou-o sentar-se no chão da cabina e esquecer o cinto de segurança. Em relação aos restantes passageiros avisou-os para desapertarem os cintos e cumprir escrupulosamente as instruções que lhes desse.

A aeronave entrou numa “final” longa, com os trens principais “em baixo”, à velocidade normal de aproximação tendo o piloto desligado os “Master Switch”. Na “final” muito curta James Wells colocou os flaps na posição “full down” de modo a fazer diminuir a velocidade horizontal da aeronave. No momento em que o avião iria começar a raspar a pista, James ordenou com voz de comando para que os passageiros se deslocassem todos para o fundo da cabina. Com um pequeno toque no controlo o avião aterrou de um modo semelhante a um avião de trem convencional (com roda de cauda). Resultado desta técnica de aterragem de emergência inventada à pressa: a “strobe light” da cauda partiu-se. O Cessna ficou intacto e os passageiros desembarcaram incólumes.

O trem de proa, esse continuou sem sair devido a um erro da Manutenção que tinha montado erradamente diversas peças de actuação do mesmo.

Nesta estranhíssima emergência o piloto, em última instância, transformou um avião de trem triciclo num avião de trem convencional. Eu chamo a isto “muito airmanship” do piloto. Afinal quem sabe, sabe. Mas como disse James Wells: “ – Never again!”. Q

Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ

Como sempre, um abração do

Fernando

Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.