Cronicas de Segurança Aeronáutica
Segurança Aeronautica nº368
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Vou começar a croniqueta desta semana dando-te conta de “Amendments” anunciados pela NAV Portugal. Consulta-os pois são matéria de importância assegurada.
Depois de uma piada aeronáutica para aprender mais uma noção de Segurança Operacional passarei a um tema em que debaterei alguns cuidados a ter com um órgão da máxima importância do avião. Um órgão diante do qual nos deveríamos curvar respeitosamente antes de voar mas que, na maioria das situações, nem nos lembramos dele. Refiro ao hélice.
Terminarei com um tema que, casualmente, ganhou uma oportunidade ímpar devido ao acidente de Los Angeles com o avião da Asiana. Na semana passada o “Senhor Doutor de Aterragem” diagnosticou a problemática do excesso de velocidade na aterragem. Nesta crónica o Senhor Doutor diagnosticará a situação oposta: a falta de velocidade. Como é natural prescreverá a respectiva terapia.
Espero que os temas te despertem curiosidade. Foi por isso que os escrevi.
· NEW VFR MANUAL AMENDMENT 008-2013 / EFFECTIVE DATE JUL 25
· AMDT NON-AIRAC 010-13 (WEF26JUL2013) Part 1 - Part 2
Para estas segundas e terceiras emendas basta seguir das hiperligações.
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XXVIII)
No mundo, quanto mais se vive mais se aprende; na Aviação, quanto mais se aprende mais se vive. Parece um trocadilho mas é verdade.
CUIDADOS A TER COM O HÉLICE
Começo este tema com uma pergunta. O que é que gira a mais de 800 km/h, suporta uma força de 10 a 20 ton, que tende a projectar as suas partes para o espaço e que recebe tão pouca atenção dos pilotos, de tal modo que estes a utilizam como uma vulgar lança para movimentar a aeronave no solo. Só pode ser uma coisa: o hélice.
Já alguma vez te passou pela cabeça, ao fim de uma viagem, dizeres: “Obrigado Amigo Hélice. Trouxeste-me a bom porto?”. Eu seria capaz de dizer que lhe viras sistematicamente as costas. Isto, apesar de ele ser o órgão do avião que mais esforços sofre, de ser gradualmente corroído por areias, pela chuva e, até, por pequenas pedras, aquelas coisinhas que dão dentadas nos seus bordos. Infelizmente, uma grande parte dos pilotos pensa que estão sempre garantidos pelo eficaz hélice.
Hélice de um C130.
E, apesar de todas estas desgraças sofridas pelo hélice este, no fim do voo, ainda vai servir como lança para movimentar o avião!
Meu Caro, o hélice merece mais. Podes querer praticar aterragens sem motor por que isso te dá um gozo monstro. Porém, se o hélice e tu se separarem vais ver como vais sentir umas saudades infinitas daquele. Basta uma pá se separar e a vibração vai ser tanta que muito provavelmente arrancará o motor do berço. Depois, será a catástrofe pois o avião, certamente, ficará incontrolável.
Por tudo isto que acabo de dizer parece-me que chegou a altura de pensarmos um pouco sobre a maneira de tratar este órgão tão importante.
As nossas preocupações com o hélice deverão começar quando executamos o “pre-flight checklist”. A primeira inspecção deverá ser feita com as mãos nuas. A sensibilidade dos dedos é fundamental para detectar anomalias no hélice. Com toda a gentileza apalpa com os dedos os bordos de ataque de cada pá. Procura verificar se existem rachas ou “bocas” nos bordos.
Retirado com a devida vénia de uma publicação da McCauley-Textron
Desconfia, acima de tudo, daqueles que têm um formato em “V” pois no vértice podem-se concentrar tensões que levem à fractura da pá. Apalpa igualmente, com as pontas dos dedos, as superfícies das pás para verificar o estado das mesmas. Tudo quanto sejam defeitos com uma dimensão superior a 1 mm implicam uma vistoria mais cuidadosa, feita por um técnico. Muitas vezes este poderá, com uma simples lima, rectificar defeitos que, a serem deixados com ângulos agudos se poderiam tornar muito perigosos. Para além disso um TMA experimentado saberá distinguir um defeito não perigoso de um daqueles que só uma oficina especializada em manutenção de hélices poderá resolver. Não te esqueças que um defeito num hélice poderá ser, definitivamente, um motivo impeditivo para realizares o próximo voo.
Quer operes em pistas de terra, quer em pistas alcatroadas ou de cimento, já deves ter observado que toda a superfície do hélice, com o tempo, aparece picada por abrasão provocada por pequenos grãos duros de quartzitos ou outras rochas duras. Normalmente estas “picadelas” não afectam directamente a estrutura mecânica do hélice. Porém, são um ponto de partida para que se instalem fenómenos de corrosão. Se os aviões costumam ficar aparcados ao ar livre as pás do hélice poderão ser atingidos por dejectos de aves. Visto estes dejectos serem altamente corrosivos, se o hélice já se encontrar “picado”, então poderemos ter problemas graves de corrosão nas partes em que se tiverem fixado os dejectos. Para agravar a situação, as aves adoram posar em cima dos hélices sujando-os…
Sempre que possível as pás do hélice deverão ser mantidas secas para que a presença de um electrólito não facilite a corrosão.
Protecção para hélices.
Quando tiveres de deslocar a aeronave evita sempre fazê-lo puxando ou empurrando a mesma pelo hélice. Mesmo que só ponhas as mãos junto ao cubo! No solo, os aviões devem ser deslocados através da respectiva lança de movimentação. Nunca te esqueças que um hélice vale uns milhares de euros e uma lança de tracção, poucas centenas. Para cada operação a “ferramenta” adequada.
Lança para movimentação dos aviões no solo.
Traccionando as aeronaves através dos seus hélices de alumínio, com alguma facilidade se empenam as pás dos hélices. Isto é tanto mais grave quando se tratar de hélices de velocidade constante, pois o hélice tem pás independentes fixas a um cubo central.
Outro órgão que nunca deverá ser utilizado para empurrar os aviões é o spinner. Estes são normalmente feitos de folha de alumínio repuxada e, como tal, frágeis.
Para terminar, um outro pequeno conselho. Quando o avião estiver estacionado nunca deixes a lança engatada no trem. É que, se por acaso tentas pôr o motor em marcha, o hélice vai percutir a lança sendo, normalmente, o resultado algo de muito perigoso: hélice avariado e lança projectada à distância.
Muito mais conselhos te poderia dar. Um dia destes poderá ser que voltemos ao tema. Até lá não te esqueças das recomendações indicadas. Se tiveres dúvidas esclarece-as com um TMA de confiança. Um conselho do Fernando. Q
CHAMEM O SENHOR DOUTOR ATERRAGEM! (Parte – II)
A semana passada analisámos o 1º Sintoma: apresentavas-te com excesso de velocidade para a aterragem. Este foi o diagnóstico do “Senhor Doutor Aterragem”. Depois do diagnóstico veio a prescrição com os cuidados a ter nesta situação. Hoje vamos apresentar o:
2º Sintoma
A tua velocidade de aterragem é demasiado baixa.
Terapia
O objectivo da “aterragem” resume-se a tirar o avião do céu e trazê-lo até uma paragem completa em terra. Se a preparares correctamente, vais parar o movimento descendente através da sustentação gerada pelas asas e não porque a pista impediu a progressão vertical. Como sabes, foi-te explicado na disciplina de Mecânica de Voo do teu curso, a Sustentação é proporcional às seguintes variáveis:
Como ρ depende da Mãe Natureza, CL depende do desenho do perfil e A representa a área da asa, só o v (velocidade de translação) é controlável pelo piloto. Assim, se o v for muito baixo a sustentação gerada pode não ser suficiente para travar a velocidade com a qual a tua aeronave se aproxima do solo. Como igualmente sabes vais ter de ter uma certa reserva de velocidade para que consigas levantar o nariz do avião para o “arredondares” e, deste modo, conseguires realizar o flare que te permitirá pousar suavemente a aeronave. Se não tiveres aquele bocadinho de reserva de velocidade necessária para “dobrar” o avião vais certamente fazer uma aterragem dura.
Assim, se vieres para a aterragem com muito pouca velocidade não te vai sobrar nada desta para trocares por aquele bocadinho de sustentação que vais precisar no momento final. Depois… bem, depois os pneus, os trens e toda a estrutura vão sofrer por causa da falta de velocidade (ou energia cinética).
Perguntarás:
“ – Então, Senhor Doutor Aterragem, qual é a terapêutica?”
“ – Vigilância atenta do velocímetro de ar e um controlo adequado da atitude do avião!”
Parece que, de propósito para ilustrar o artigo desta semana, se deu o acidente com o B777 do Asiana Airlines Flight 214.
National Transportation Safety Board chairwoman, the Honorable Deborah Hersman
Segundo a Honorable Deborah Hersman preidente do NTSB:
“Three seconds before it struck the ground Saturday, the speed of Asiana Airlines Flight 214, a Boeing 777, was 103 knots - the lowest measured by its data recorders, and far below the target speed of 137 knots, says National Transportation Board Chairman Deborah Hersman.”
A isto pode acrescentar-se ainda, com base nas informações do NTSB, o seguinte:
“The crew had flown in on a 17-mile straight approach, heading to San Francisco from the air over Sacramento.
Radar data shows "no abnormally steep descent curve" in what has been reviewed.
Evaluations show "that both of the engines were producing power" when the craft hit the ground.
The No. 2 engine showed "evidence of high rotation" at the point of impact.
Lower portion of the tail cone is in the rocks at the sea wall before the runway.
Debris from the sea wall was found "several hundred feet" up the runway.
The impact occurred about 82 seconds after autopilot was disabled.
At 200 feet, the plane's airspeed was approximately 118 knots.
Three seconds before impact, the craft's speed was 103 knots - the lowest measured, and far below the target speed of 137 knots.
When it struck, it had accelerated to 106 knots.”
Assim, tudo parece indicar estamos perante uma aterragem feita a uma velocidade abaixo daquela que está recomendada pelo fabricante para esta aeronave. O resultado foi aquilo que se pode ver na figura seguinte:
A aterragem deu-se numa situação de “tail first” tendo esta sido arrancada no embate com o solo.
Por isso, Meu Caro cumpre à risca a terapêutica indicada. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº367
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Depois de uma abertura feita sorrindo, irei continuar a análise do terceiro documento da iniciativa de segurança operacional do NTSB.
Proponho-te, ainda, darmos uma espreitadela ao risco de invasão intempestiva das pistas na óptica de Jim Krieger, FAA’s Group Manager for Runway Safety .
Terminarei com uma “clínica” intitulada “Chamem o Senhor Doutor Aterragem!”.
O GPIAA acaba de publicar a sua Newsletter 1/2013 onde dá conta da sua actividade de investigação de acidentes.
Não posso deixar de referir a seguinte parte do Editorial escrito pelo Cor. Fernando Reis:
“Atualmente, existem 36 processos de investigação em curso (19 acidentes e 17 incidentes) relativamente aos anos de 2010 a 2013, sendo de destacar que todos os acidentes fatais ocorridos no ano de 2012 ainda se encontram abertos.
Esta situação resulta da escassez de investigadores altamente qualificados e com experiência comprovada em investigação de acidentes e incidentes com aeronaves civis.”
Isto é, em minha opinião, mais um grito de alarme para uma situação que os políticos deste País não conseguem enxergar. Apesar das obrigações Comunitárias a que estamos obrigados!
Uma situação lastimável pois, mais dia, menos dia, o GPIAA fecha por falta de Investigadores de Acidentes Aeronáuticos. Q
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XXVII)
Um piloto nunca vai ter problema na Aviação enquanto tratar o avião por Vossa Excelência.
INICIATIVA DE SEGURANÇA OPERACIONAL DO NTSB – Parte - X
Na croniqueta anterior continuei a fazer a análise do terceiro documento desta iniciativa do NTSB. Um documento dedicado ao tema “Pilots - Manage Risks to Winsure Safety”. Afinal as boas decisões e as boas práticas de gestão de risco são fundamentais para a prevenção de acidentes. Naquela crónica analisei três acidentes fatais derivados de uma má gestão dos riscos inerentes ao voo. Hoje iremos ver as recomendações do NTSB sobre
O Que Podem Fazer os Pilotos
- Desenvolver boas práticas para a toma de decisões correctas;
- Desenvolver processos que conduzam à identificação de atitudes pessoais, perigosas para um voo seguro;
- Aplicar técnicas de modificação comportamental, reconhecer e adaptar-se ao stress, utilizando com eficácia todos os recursos de que disponha;
- Compreender os perigos para a segurança associados à fadiga humana tentando, ao mesmo tempo, minimizar todos os factores que provoquem o fenómeno da fadiga.
- Perceber que a gestão dos reais riscos exige prática. Que esta gestão é um processo de tomada de decisão através do qual o piloto pode, sistematicamente, avaliar os perigos;
- Avaliar os diversos graus de risco e determinar quais as melhores acções para resolver os problemas;
- Ser honesto consigo próprio e com os seus passageiros sobre o grau próprio de conhecimentos aeronáuticos e sobre a sua proficiência. Nunca, mas por nunca ser empolar estes dois factores;
- Rejeitar sistematicamente todo o tipo de pressões externas, tais como pressões para poupar tempo ou para poupar despesas inerentes ao voo;
- Não ter medo de desapontar os passageiros por não tentar encetar ou prosseguir um voo em condições com as quais não se sinta confortável.
- Ser honesto com as Entidades Reguladoras e consigo próprio sobre o seu estado de saúde;
- Se estiver debaixo de uma situação de doença ou estiver a fazer qualquer tipo de medicação evite voar até que o seu estado clínico seja devidamente avaliado e dado como bom para exercer o mister de piloto;
- Planear em avanço todas as possíveis alterações ao seu plano de voo e alternativas ao cancelamento do mesmo;
- Discutir com os passageiros, antes de iniciar o voo, todas as alternativas indicadas na alínea anterior.
Sei que alguns destes itens são difíceis pois exigem um exercício de introspecção. Se não fores capaz de tomar a opção “Óptima”, ao menos toma a “Boa”. Só assim permanecerás do lado correcto da Segurança Operacional. Conselhos do NTSB.
Para a semana prosseguiremos com a análise deste terceiro documento focando essencialmente a informação disponível para quem quiser melhorar efectivamente o seu airmanship.Q
CHAMEM O SENHOR DOUTOR ATERRAGEM! (Parte – I)
Por favor chamem com urgência o “Doutor Aterragem” pois preciso de um check-up urgente!
Todos nós passamos ou passámos, por vezes, fazes em que as aterragens nos correram com uma taxa de insucesso terrível. Por mais que nos aplicássemos havia sempre qualquer coisa que nos últimos instantes fazia com que uma coisa tão simples (ou supostamente simples) acabasse mal ou acabasse num borrego.
Caramba, pensávamos nós! Se um piloto automático trás o avião certinho para o chão, porque não havíamos nós, súper inteligentes, conseguir “levar a carta a Garcia”? Afinal o piloto automático não é controlado por um computador simplório que resolve um simples sistema de três equações a três incógnitas – x, y, z – através de um singelo chip de silício? E porque é que este bruto que tem a particularidade de calcular à velocidade da luz faz as coisas bem feitinhas e eu, que tenho um cérebro capaz de resolver sistemas de N equações a N incógnitas, volta e meia, faço cada “borrada”?
Será que eu estou ou estava doente e a necessitar de consultar o “Senhor Doutor Aterragem”. Muito provavelmente.
É verdade. Todas as más aterragens normalmente têm um diagnóstico simples mas que só pode ser feito por um verdadeiro profissional. E este clínico é, sem sombra de dúvida, o “Senhor Doutor Aterragem”, um verdadeiro perito em diagnóstico.
Assim, nesta croniqueta e seguintes irei publicar um verdadeiro vade-mécum aeronáutico onde o citado médico se baseia para os seus diagnósticos das “desgraças” que levam às más aterragens.
Provavelmente és um perito em fazer aterragens. Mesmo assim eu aconselho-te muito vivamente a leres os diagnósticos e respectivas terapias. Isto porque, avivar conceitos nunca fez mal a nenhum Aviador.
1º Sintoma
A tua velocidade de aterragem é muito elevada.
Terapia
Meu Caro, sei que não te queres limitar a fazer aterragens só em pistas com mais de 2 km e, por outro lado, não queres ver a tua conta de pneus aumentar em flecha por fazeres travagens do tipo “desesperado”. O excesso de velocidade faz com que a tua aeronave flutue nas proximidades do piso da pista sem nele tocar. É natural. Se, por exemplo, no momento em que deverias estar a tocar com as rodas na pista, a tua VAV for de 65 kts e a tua velocidade normal de rotação – VR – for, por exemplo, de 50 kts, no citado momento o avião está animado de uma velocidade que lhe empresta uma sustentação para estar a voar e não a rolar no chão. Nesta altura tu começas a ver metros e metros de pista ficarem para trás e tu a sentires-te cada vez mais preocupado com aquela zebra que te indica o fim da pista.
Como aprendemos (os que gostam de aprender estas coisas) cada nó de velocidade em excesso faz-nos aterrar uns centos de pés mais adiante do “aiming point” previsto. Se isto acontece, em muitos casos, quem vai sofrer são os pobres dos pneus que não têm culpa nenhuma da inabilidade do pilotaço. Apesar de não ser muito bonito ver uma coisa destas, a prática mostra-nos que a aeronave consegue aterrar dentro dos limites da pista e, ainda, com algum controlo lateral. Porém isto nem sempre acaba por correr tão bem.
Se num “flare” feito com demasiada velocidade puxares o nariz do avião para cima para quebrares essa mesma velocidade, muito provavelmente este fará um “balonazo” ficando a voar ainda mais alto. Afinal, ele não vem animado de energia cinética suficiente para ser trocada por energia potencial? O problema é que o avião, no fim do “balonazo”, poderá já não ter energia cinética suficiente para continuar a voar e, nesse momento, acabará por cair na pista de uma grande altura podendo escachar o trem.
Há ainda outras situações que podem levar a consequências desagradáveis. A primeira delas é quando chegas ao “aiming point” muito certinho e de repente és apanhado por uma rajada de vento. Isto é absolutamente igual à situação anterior: ficas com velocidade aerodinâmica a mais e no domínio de voo do avião. Outra situação igualmente perigosa é quando te sentes a flutuar acima da pista e forças a aterragem metendo o nariz da aeronave em baixo. Automaticamente vais aumentar a tua VAV e, muito provavelmente, vais aterrar sobre o trem dianteiro.
Aprendeste que um avião de trem triciclo não se aterra a três pontos. Porquê? Porque a absorção dos esforços de aterragem deve ser feita pelos trens principais. Afinal são eles que estão calculados para realizar esta absorção. Nunca o trem de proa que é bem mais frágil. Mas não só. Quer a parede de fogo, quer o berço do motor onde muito provavelmente o trem de proa está fixo, também não estão preparados para ser sujeitos aos grandes esforços do impacte de uma aterragem do tipo “nose first”.
Porém, como um mal nunca vem só, a aeronave que aterra primeiro com o trem de proa acaba sempre por entrar num movimento cíclico de “bate trem de proa, bate trem principal” muitas vezes aumentando o período deste movimento até que o primeiro cede. Normalmente ao terceiro impacte. Depois bate o hélice e lá temos um “chock load” no motor e assim por aí adiante, de desgraça em desgraça.
Perguntar-te-á, então, o “Senhor Doutor Aterragem” para te induzir o raciocínio: “ – Meu Caro, o que é que deves fazer de diferente na próxima aterragem?” .Depois de titubeares algumas ideias, o Doutor sintetiza-te as mesmas.
Nunca te esqueças de que os flaps estão montados nas asas para serem utilizados em todo o seu curso. Muitas das aeronaves mais vulgares estão equipadas com flaps do tipo Fowler e, estes, têm a particularidade de, no seu ângulo máximo de abertura, provocarem uma “Resistência” que te auxiliarão na operação de diminuição da velocidade de ar. Usa estes dispositivos extensivamente tendo o cuidado de compensar a aeronave segundo o eixo transversal.
Estabiliza a velocidade da aeronave, na velocidade correcta, antes de começares a fazer o “flare”. Nessa altura estarás muito provavelmente numa situação de “ground effect, situação em que se torna muito mais difícil diminuir a velocidade. Como tu sabes o “ground effect” traduz-se numa redução da “Resistência” aerodinâmica, redução esta que ocorre normalmente quando a tua altura acima do solo é igual ou inferior ao comprimento de uma envergadura do avião. Porém, dir-te-á o Senhor Doutor, não fiques a olhar fixamente para o Velocímetro de Ar. A tua atenção terá de ser dividida entre a imagem deste instrumento e a imagem da própria pista. Nunca esquecendo possíveis tráfegos conflituantes. Como me dizia o meu instrutor: “ - Um olho no burro e outro no cigano”, uma expressão algo chauvinista mas típica da língua portuguesa.
Outro factor que o piloto deverá ter em atenção é o ângulo que faz o eixo longitudinal do avião com o horizonte tentando sentir a “moleza” correcta dos comandos pois esta “moleza” é uma boa maneira de sentir a correcção da velocidade.
Porém nunca te esqueças daquilo que o Velocímetro de Ar te está a informar momento a momento. Se a velocidade for muito elevada puxa ligeiramente o nariz para cima sem deixares a aeronave fazer um “balonazo”. Aumentando o ângulo de ataque acabas por diminuir a velocidade. Como podes calcular, tudo isto deve ser feito com potência em “idle”.
Para a semana iremos ver o 2º sintoma e qual a terapia recomendada pelo “Senhor Doutor Aterragem”. Q
O RISCO DE INVASÃO INTEMPESTIVA DAS PISTAS
Nos últimos anos, nos USA, depois de uma série de acidentes motivados por invasões intempestivas de pistas por parte de aeronaves, têm sido tomadas medidas muito severas para obviar a este grave risco.
Aeródromos muito complicados, com tráfego de aeronaves de grande porte e aeronaves de Aviação Geral, são labirintos que mais se assemelham a quebra-cabeças.
Em relação aos States, Jim Krieger, FAA’s Group Manager for Runway Safety afirma que a maior parte dos recursos para evitar incursões intempestivas já foram postos em prática. Krieger é de opinião que se deverá utilizar extensivamente a tecnologia para impedir as incursões. Uma das novidades que é proposta passa pela transformação de NOTAM’s de texto, tal como os conhecemos, para uma versão gráfica mais fácil de compreender. Se seguires a hiperligação verás um exemplo relativo ao aeroporto Chicago O'Hare Intl, um excelente exemplo de complexidade.
Sempre me fez alguma confusão o actual formato de texto dos NOTAM’s. Em minha opinião são verdadeiras “relíquias arqueológicas” dum tempo passado. Com a tecnologia actual estes documentos poderiam ter um formato totalmente diferente. Pelo menos, descodificados. Seriam muito mais seguros certamente. Tendo esta ideia em mente achei terrivelmente interessante esta versão gráfica de NOTAM’s referente a alterações temporárias em aeroportos. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº366
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Todos os anos, pela quarta semana de Junho, a minha croniqueta começa com um número envolvido por uma coroa. É uma marca para mim próprio. Uma marca que me diz que fui capaz de vencer mais um ano num projecto ao qual decidi meter ombros há já alguns anos: fazer qualquer coisa em prol da Segurança Operacional Aeronáutica.
Este ano que agora começa é, já, o nono da série. Para alguns de vós estas croniquetas terão algum interesse e merecem uma leitura. Para outros faz-se uma leitura muito cruzada e apressada e, de imediato, apaga-se. Para um terceiro grupo ela será apagada de imediato. Quando escrevo, acredita que escrevo para estes três grupos da melhor maneira que o sei fazer. Afinal, cada um vê a Segurança Operacional à sua maneira.
E com isto já são trezentas e sessenta e seis croniquetas que escrevo. Trezentas e sessenta e seis crónicas com as quais, eu próprio, também tenho aprendido muitíssimo pois, normalmente, para escrever sobre qualquer tema tenho que estudar a “matéria” e fazer o meu TPC (leia-se “Trabalho de Casa”).
Estas crónicas continuarão enquanto eu puder e estiver convencido que há pelo menos um dos Meus Caros a lê-las. Quando estas duas condições deixarem de se verificar concomitantemente, então na sexta-feira seguinte já não haverá croniqueta.
Tal como costumo terminar as minhas croniquetas:
Nunca te esqueças que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação!
Nesta croniqueta irei começar com a nossa habitual lição de Segurança Operacional através de uma situação que nos provoca um sorriso.
Depois farei um pequeno esclarecimento sobre o que um Relatório de Acidente deverá ou não conter obrigatoriamente.
Terminarei com a continuação da análise do terceiro documento da iniciativa de Segurança Operacional do NTSB.
Espero que gostes da minha escolha da semana.
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XXVI)
O segredo de um bom vôo rasante é nunca deixar o avião encostar-se à sombra!
A PRÓXIMA CENA É O ACIDENTE AÉREO.
UM PORMENOR SOBRE RELATÓRIOS DE INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES COM AERONAVES
Os Relatórios de Investigação de Acidente com aeronaves são documentos com uma estrutura muito própria e que deverão seguir normas internacionais bem específicas. Estas normas facilitam sobremaneira a construção dos mesmos e permite que eles sejam bem entendidos por todos os “stakeholders” interessados nos mesmos. Contudo os relatórios, porque cobrem um universo extremamente diverso, não têm obrigatoriamente de cobrir todas as alíneas do modelo que, por ser um standard, é extremamente extenso.
Ao longo das minhas croniquetas recomendo sempre aos “Meus Caros” a leitura da versão original daqueles Relatórios. Sempre afirmei que da sua leitura se aprende imenso. Pessoalmente, leio Relatórios de Acidente das mais diversas agências de todos os continentes pois eles aumentam imenso o meu airmanship. Desta minha experiência percebi que alguns contêm recomendações, outros não.
Vejamos dois exemplos de uma mesma agência, no caso vertente o Air Accident Investigation Unit (AAIU) da República da Irlanda, isto para não termos dúvidas sobre a igualdade de critérios:
1) Final Report AAIU Synoptic Report No: 2009-016
2) Final Report AAIU Synoptic Report No: 2010-014
No primeiro Relatório, referente a um acidente com um Piper PA 28-151, a Unidade de Investigação termina o seu relatório afirmando:
4 - SAFETY RECOMMENDATIONS
This Investigation does not sustain any Safety Recommendations.
Ao invés, no segundo relatório, referente a um acidente com um Cessna 206G Stationair, já vamos encontrar as seguintes recomendações:
4 - SAFETY RECOMMENDATIONS
It is recommended that:
1) The Operator, the Irish Parachute Club review its fuel monitoring, recording and usage tracking system so as to monitor the consumption of fuel and accurately indicate the quantity of fuel on board its aircraft prior to flight. (IRLD2010021)
2) The FAA should consider an amendment to STC SA3634SW, which requires the installation of a placard and the introduction of a flight manual supplement, cautioning that fuel should be allowed to settle post refuelling before determining the quantity of fuel on board. (IRLD2010022)
Com estes dois exemplos fica demonstrado factualmente que as entidades que investigam os acidentes não têm obrigatoriamente de inserir “Safety Recommendations” nos seus Relatórios de Acidente/Incidente.
Isto vem a propósito de um dos últimos Relatórios de Acidente produzido pelo GPIAA que chegou ao meu conhecimento. Trata-se do Relatório de Acidente Nº 19/ACCID/2010. Na página 47 deste documento aparece o seguinte parágrafo que reproduzo ad lettera:
“…Um gabinete de prevenção e investigação de acidentes que produz relatórios que não dão origem a qualquer tipo de recomendações de segurança é, na minha opinião, um gabinete que não está a cumprir as suas funções designadas.”
Perante os factos que apresentei não posso “comprar” a opinião, sob pena de a ter de estender aos mais famosos institutos mundiais da especialidade. E eles não podem estar todos errados. Esta é, sim, a minha opinião pessoal.Q
INICIATIVA DE SEGURANÇA OPERACIONAL DO NTSB – Parte - IX
Na semana passada comecei a fazer a análise do terceiro documento desta iniciativa do NTSB. Um documento dedicado ao tema “Pilots - Manage Risks to Winsure Safety”. Afinal as boas decisões e as boas práticas de gestão de risco são fundamentais para a prevenção de acidentes.
Como de costume, estes documentos do NTSB apresentam três exemplos para ilustrar o ponto. Na semana passada caracterizámos o primeiro exemplo: o caso de um piloto sem qualificação para voo em IMC, teimou até ao fim em aterrar num aeródromo que não estava em VMC, isto apesar do controlador ter sugerido diversos aeródromos das redondezas que estavam abertos para operações em VFR. Acidente com a NTSB Identification: CEN12FA083 .
Acidentes Típicos
Segundo Acidente – Piloto em deficiente estado de saúde (NTSB Identification: CEN10FA071).
Este é um acidente que começa muito antes do dia em que ocorre materialmente. É um caso típico de inconsciência e falta de civismo.
A parte aeronáutica do acidente dá-se quando um piloto de um Cessna C310R tem um acidente fatal no momento em que a sua aeronave colide com o terreno ao pretender aterrar num aeródromo familiar àquele mas com condições de nevoeiro muito intensas, de noite em condições IMC.
O historial clínico do piloto, com mais de 4.000 horas de experiência, mostrou um longo historial de enxaquecas bastante graves e prolongadas. Certamente por esta e outras razões, o exame toxicológico ao corpo indicou a presença de 10 medicamentos (Acetaminophen, Bupropion, Cyclobenzaprine, Dihydrocodeine, Duloxetine, Gabapentin, Hydrocodone, Hydromorphone, Naprozen, and Propranolol) alguns dos quais potencialmente debilitantes para a pilotagem.
Cessna C310 semelhante ao avião acidentado. Avião quadrilugar da década de 70.
O piloto nunca tinha reportado a toma de quaisquer medicamentos nem dores de cabeça à FAA nos seus requerimentos de renovação da Certidão Médica. Pensa-se que na origem do acidente possa ter estado o cocktail de medicamentos, que diminuiu certamente a capacidade de decisão tendo feito com que aquele tenha descido abaixo dos “mínimos” de manobra para o aeródromo de destino.
Terceiro Acidente – Piloto sujeito a pressões temporais (NTSB Identification: WPR11FA032)
Existe um poema bíblico – o Eclesiastes – que sempre que o leio me deixa extasiado pelo enorme conteúdo de ensinamentos filosóficos que contem. Ora o Eclesiastes começa exactamente com a seguinte frase: “Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus:”. Na Aviação passa-se exactamente a mesma coisa. Quem transgredir está sujeito a pena grave.
Meu Caro, lembras-te de, numa croniqueta passada, eu te ter proposto a análise de um acidente ocorrido próximo da cidade de Juneau, no Alaska? Lembras-te o que é que esteve na base desse acidente? Simplesmente a pressa para apanhar um voo comercial, pressa esta que fez com que o piloto tivesse programado mal o seu GPS. Este erro acabou por gerar uma rota de colisão com terreno elevado. Do embate com a crista da elevação resultou a morte dos dois ocupantes da aeronave. A esposa do piloto acabou por perder o voo comercial…
Este terceiro acidente que o NTSB nos propõe para análise relata-nos um episódio de um piloto que não foi capaz de resistir à pressão psicológica que criou em torno da necessidade de realizar o voo no seu Mooney M20J em vez de viajar num voo comercial como estava previsto.
Money M20J semelhante ao avião acidentado.
O resultado desta incapacidade de reagir à pressão psicológica terminou de uma forma trágica: o piloto e os seus três filhos – dois gémeos de 14 anos e um terceiro de 12 anos – pereceram quando o Mooney entrou a voar contra terreno montanhoso quando executava uma descida rápida. Antes do voo o piloto havia obtido um briefing meteorológico que alertava para obstrução visual meteorológica dos terrenos montanhosos, para turbulência e para condições de gelo. O piloto havia já cancelado o seu plano de voo devido às condições de tempo adversas. Tratava-se de um voo de regresso a casa após um período de férias.
Devido ao imprevisto das condições meteorológicas o piloto havia reservado lugares para si e para os três filhos num voo comercial. Contudo, porque o voo comercial foi cancelado (por motivos não meteorológicos), resolveu voltar atrás e fazer o voo de retorno a casa no Mooney.
Tecnicamente, a razão do acidente ficou a dever-se ao facto do piloto ter iniciado o voo em condições meteorológicas muito adversas e sobre um terreno muitíssimo perigoso. Repara só como o NTSB caracteriza este no seu relatório:
An FCSO press release characterized the search area as "one of the most remote areas of the lower 48 states”. Terrain elevations ranged from 11,000 to 13,000 feet .
Estas características fizeram com que os destroços do avião só fossem encontrados uma semana depois do dia do acidente. Pessoalmente, não me sentiria à vontade a voar com uma aeronave do tipo da que sofreu o acidente, em condições IMC agravadas por “icing conditions”, por cima de um terreno com esta configuração orográfica. O piloto, mesmo que quisesse, nem poderia descer para fugir às condições de gelo.
Porém, a investigação veio a encontrar diversas quebras de segurança que conduziram à catástrofe. A mais importante foi, sem dúvida, a auto-imposição por parte do piloto de uma pressão psicológica temporal que conduziu a uma série de falhas de segurança em série, motivadas por uma boa falta de discernimento resultante da incapacidade de julgar correctamente numa situação de stress.
Para conheceres o texto completo dos Relatórios de Acidente do NTSB, leitura que te recomendo muito vivamente, basta seguires as hiperligações dos códigos de identificação dos acidentes.
Continuaremos para a semana com os conselhos do NTSB sobre o modo como os pilotos poderão resistir a estes problemas que criam perigosos riscos. Até lá não sucumbas à tentação de te deixares pressionar por factores estranhos à pilotagem. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº362
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Esta semana tivemos mais um acidente aeronáutico, o quarto da ordem deste ano de 2103. Felizmente ninguém se magoou. Os prejuízos materiais, esses, são um problema de seguros… Este acidente teve a particularidade de ter acontecido com um helicóptero que treinava auto-rotações, uma manobra sempre complicada.
Depois de uma ligeira abordagem deste acidente, vou tentar ensinar-te qualquer coisa de Segurança Operacional com um sorriso.
Finalizarei a croniqueta desta semana com uma abordagem à necessidade de uma correcta operação de “Peso & Centragem” da aeronave. A sua falha pode muito facilmente acabar em desastre. A última coisa que queremos que aconteça.
Estão disponíveis na página electrónica do GPIAA, da passada quarta-feira:
j Nota Informativa do Acidente com o Heli Hughes, registo CS-HAZ, ocorrido no dia 05 de Maio, em Alcácer do Sal (04/ACCID/2013)
j Mapa Síntese dos Acidentes e Incidentes com Aeronaves Civis, ocorridos em 2013.
Nesta Nota Informativa faz-se um breve relato de uma manobra difícil dos helicópteros: a auto-rotação. Uma manobra que num avião corresponde a um planeio, mas que num helicóptero é bem mais complexa. Se tudo não é feito no momento correcto a probabilidade de êxito da aterragem é sempre muito baixa. Neste acidente, quando se iniciou a auto-rotação o motor resolveu parar. Passou-se, assim, de um Simulacro de Aterragem Forçada (SAF) a uma verdadeira Aterragem Forçada num terreno difícil porque arborizado. Apesar dos esforços do Instrutor o acidente deu-se e a aeronave acabou com graves avarias.
Estado em que ficou o helicóptero Hughes 269C após o acidente. (Nota – Para perceber a posição dos destroços, após a imobilização do helicóptero, os pés dos pilotos ficaram virados para o céu)
Felizmente, deste acidente não resultaram óbitos tendo os pilotos saído sem ferimentos.
Para saber o pormenor dos factos disponíveis aconselho-te, como sempre, a leres o documento oficial do GPIAA. Para tal basta seguires a hiperligação. Q
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XXII)
Há pilotos que, pelas mais diversas razões, são pouco prudentes. E isto fá-los esquecer as mais elementares regras da Segurança Operacional. Mas nunca te esqueças que é bem melhor estar aqui em baixo desejando estar lá em cima, do que estar lá em cima desejando estar aqui em baixo.
O PERIGO DO CENTRO DE GRAVIDADE SAIR FORA DO ENVELOPE DE VOO
Todos nós aprendemos que não podemos nem devemos voar com o “Centro de Gravidade” (CG) fora do envelope de voo indicado pelo fabricante da aeronave.
Na semana passada, quando abordei o acidente do voo NCR102, à descolagem da base de Balgram no Afeganistão, um acidente impressionante com um Boeing B747FR a despinhar-se diante da câmara que regista o acidente, uma das hipóteses que levantei para acontecer aquilo que todos vimos pode ter sido um desprendimento das cargas a bordo da aeronave com deslocação do CG no momento da descolagem.
Há anos ocorreu um acidente, igualmente com um avião cargueiro, que me deixou impressionado. Tratou-se de um acidente com um De Havilland Canada DHC-4 Caribou no qual a carga correu à retaguarda no momento da descolagem. Para ver o filme do acidente visita o site: http://www.youtube.com/watch?v=oH5hs0B5Oks .
Sobre o tema “Peso & Centragem” não posso deixar de te recomendar a leitura do Manual “Aircraft & Weight Handbook”, manual FAA-H-8083-1a. É um material básico de estudo e uma verdadeira “bíblia” sobre tão importante matéria. Um manual a ter sempre por perto. Para acederes (e fazeres o download) ao manual basta-te seguires a hiperligação.
Manual FAA-H-80833-1a.
Não posso deixar de evidenciar um dos parágrafos com o qual se inicia o Manual. Diz-nos, ele, o seguinte:
O carregamento malfeito da aeronave prejudica definitivamente a eficiência da mesma sobre diversos pontos de vista:
- Manobrabilidade;
- Razão de subida;
- Velocidade.
Pode ainda estar na origem de causas que façam com que o voo não se conclua com êxito ou que não permitam mesmo que este se chegue a iniciar.
Devido aos esforços anormais que se repercutem na estrutura de uma aeronave mal carregada ou às características de voo anormais induzidas pela mesma razão pode acontecer que se percam vidas humanas e se perca material valiosíssimo.
E a quem cabe a responsabilidade de um correcto carregamento da aeronave de modo a que o seu Centro de Gravidade se mantenha dentro do envelope de voo?
- Antes de mais aos engenheiros e conceptores da aeronave;
- Depois, aos técnicos de manutenção aeronáutica que mantém a aeronave; e
- Em último lugar aos pilotos que operam a aeronave
Como a aeronave tem certamente um certificado de aeronavegabilidade em dia, os principais responsáveis pela operação diária da aeronave são, em última instância, os pilotos. Nunca te esqueças desta verdade. Sim, é tua obrigação certificares-te que a aeronave está correctamente carregada. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº360
Meu Caro,
Nesta croniqueta vamos começar por sorrir e aprender/relembrar mais alguns conceitos de Segurança Operacional. Faz sempre bem.
De seguida abordarei o trabalho das “Entidades Reguladoras” no sentido melhorar os níveis da Segurança Operacional. Há países em que esta situação é classificada como muito importante.
Terminarei com mais uma análise da “Iniciativa de Segurança Operacional do NTSB”. Esta semana virada para os riscos da “perda aerodinâmica a baixa altura”. Um perigo muito real que pode acontecer a qualquer um de nós. Como tal é importantíssimo relembrar certos factos antes que eles se façam relembrar por si.
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XX)
Passagens baixas ou muito baixas são um perigo para ti, para os teus passageiros e para as pessoas em terra. Para além disso estás a prevaricar contra o Artigo 4.6 do Anexo 2 da ICAO. Deixa isso para os canídeos…
O TRABALHO DIFÍCIL DOS REGULADORES NO SENTIDO DE UMA BOA SEGURANÇA
Tenho defendido nas minhas croniquetas que a Segurança Operacional se inicia no trabalho das “Entidades Reguladoras”. É a partir do resultado da sua actividade – e.g. as JAR/FAR Part 23 e JAR/FAR Part 25 - que os construtores concebem genericamente as aeronaves que irão pôr no mercado.
Porém, o universo da Segurança Operacional não se resume à concepção das aeronaves. Passa por outros subuniversos tais como a pilotagem, a manutenção e o controlo de tráfego aéreo. Há “Reguladores” que, por estarem inseridos em países onde a Aviação tem um desenvolvimento excepcional têm, quer se queira quer não, responsabilidades acrescidas. Entre estes estão a Federal Aviation Agency (FAA) e o National Transportation Safety Board (NTSB).
Apesar da pesada responsabilidade destas organizações e do seu extenso leque de actividade, o seu trabalho não está imune a críticas. Isto, apesar destes “Reguladores” disporem, certamente, dos melhores técnicos.
Ainda ontem tive a oportunidade de ler uma crítica do Department of Transportation (DOT) - Office of the Inspector General (IG), Calvin L. Scovel III, acerca disso mesmo. O Inspector General acredita que, apesar da FAA ter vindo a fazer progressos em matéria de Segurança Operacional, a agência tem de expandir e melhorar a qualidade das suas principais fontes de informação. Por exemplo, um relatório emanado pelo DOT afirma que a FAA tem um desafio grande em matéria de estabelecer processos de inspecção baseados em bases sólidas de avaliação de risco no que toca à actividade das oficinas de manutenção e dos próprios construtores de aeronaves
Na crítica que li ontem afirma o DOT, textualmente, o seguinte:
“…To target its surveillance to the highest-risk areas, the FAA needs to determine more accurately the number of inspectors it needs and where to place them, and ensure risk assessments are performed...”
Naturalmente a actividade Aeronáutica Portuguesa, nas suas mais diversas componentes, corresponde a uma enésima parte da actividade idêntica nos USA. Porém, dentro do velho princípio da dúvida metódica, não sou capaz de resistir à pergunta “E como será em Portugal?” Será que alguém dentro da estrutura do Governo que nós pagamos com os nossos impostos, se preocupa com a Segurança Operacional da Aeronáutica Portuguesa? Já nem falo na preocupação com o número de técnicos necessários para estabelecer e inspeccionar as regras que levam a uma boa Segurança, pois isso é uma pequena minudência que não deve preocupar personalidades que se julgam mais próximas dos deuses do que dos humanos. Prefiro ficar com as dúvidas mas aprender alguma coisa com quem sabe da poda…
Continuando a analisar a posição do Inspector General do DOT pode ler-se que o “Air Traffic Safety Analysis Program” (ATSAP) é um outro exemplo de necessidade de fortes melhorias. Mas o que é o ATSAP? É uma versão mais focada no serviço ATC de um outro programa mais geral: o “Aviation Safety Reporting System” (ASRS) destinado a ser utilizado pelos pilotos. O ASRS, gerido pela NASA:
“... captures confidential reports, analyzes the resulting aviation safety data, and disseminates vital information to the aviation community...”
Para acederes à página do ASRS basta seguires a hiperligação. Uma visita que aconselho muito vivamente para perceberes a essência de um mecanismo destinado a manter a Segurança ao seu mais alto nível. Um sistema tipicamente anglo-saxónico que privilegia a Segurança Operacional em relação a qualquer esquema punitivo legal.
É interessante saber que o ASRS produz mensalmente uma publicação electrónica denominada CALLBACK onde são descritos os casos mais interessantes reportados àquele sistema. Nota que só tens acesso aos casos relatados porque eles se fazem na condição de anonimato e protecção contra perseguição legal.
Como pudemos ver, as “Entidades Reguladoras” dos USA, apesar das suas falhas, estão definitivamente preocupadas com uma melhoria de nível da Segurança Operacional da Aviação do seu País. Um bom exemplo a seguir. Q
INICIATIVA DE SEGURANÇA OPERACIONAL DO NTSB – Parte - V
Na croniqueta anterior começámos a analisar aquilo que o NTSB tinha para nos lembrar sobre “perdas a baixa altura”, infelizmente um acidente relativamente vulgar e, normalmente, de consequências funestas. Vejamos agora como aquele Instituto caracteriza este tipo de acidente.
ACIDENTES MOTIVADOS POR PERDAS A BAIXA ALTURA.
Infelizmente, as circunstâncias em que se dá cada novo acidente motivado por perda a baixa altura parecem decalcadas a papel químico de todos os outros acidentes cuja origem é a perda próximo do solo. Este facto sugere que alguns pilotos não recolhem quaisquer ensinamentos de acidentes anteriores, ensinamentos, estes, que deveriam fazer evitar os mesmos erros acontecidos com outros pilotos.
Vejamos agora alguns exemplos de acidentes, absolutamente evitáveis, traduzidos pelos seguintes sumários executivos de investigação. Todos eles provocados por “perdas aerodinâmicas” a baixa altura.
Todos os relatórios de acidente para os casos reportados estão acessíveis na “Accident Database & Synopses” do NTSB. Para acederes a esta base de dados basta seguires a hiperligação.
O NTSB, para ilustrar o ponto, propõe-nos a análise de três acidentes cujas sinopses iremos descrever de seguida. A partir de cada sinopse, seguindo a hiperligação, poderás aceder ao relatório completo desse acidente
1º Acidente – Identificação CEN12FA271
Em Maio de 2012, no Lake in the Hills Airport (Illinois), um piloto comercial e um instrutor de voo faziam circuitos de aeródromo e manobras de “touch & go” na pista 26, voando um Beechcraft S35.
Beechcraft Bonanza S35 semelhante à aeronave acidentada.
Uma testemunha do acidente declarou ter visto a aeronave realizar uma volta apertada quando voltou da “perna base” do circuito para a “final” do mesmo. As marcas deixadas no solo e as avarias provocadas na estrutura da aeronave evidenciavam que ocorria uma “perda aerodinâmica”/spin no momento do impacte.
Nota meu Caro que os pilotos a bordo da aeronave eram um piloto comercial e um instrutor, e não um simples PPA em voo de largada voltando bruscamente para a “final” na ânsia da sua primeira aterragem a solo. Porém, o piloto comercial a bordo da aeronave tinha a provecta idade de 82 anos e o instrutor de 62 anos. Cada vez me convenço mais de que me “reformei”, aeronauticamente falando, na altura certa.
O vento no momento do acidente estava de 220 com uma intensidade compreendida entre os 11 e 22 kts. O vento encontrado na volta da perna base esquerda para a final – nota que a pista em serviço era a 26 e o vento de 220 – fez com que o avião “overshootasse” a trajectória correcta de voo para a final. Muito naturalmente, o piloto tentou compensar a ultrapassagem do QFU da pista, apertando a volta e aumentando o pranchamento da aeronave de modo a repô-la na trajectória correcta. Como bem sabes, ao aumentar o ângulo de pranchamento o factor de carga do avião aumentou, podendo tornar o peso aparente da aeronave superior à “Sustentação” gerada pelas superfícies sustentadoras. Um fenómeno que todos nós, pilotos, temos de ter em atenção permanentemente.
Durante as investigações não foi detectado qualquer defeito ou avaria mecânica no avião que pudesse ter levado ao acidente.
Como resultado da investigação o National Transportation Safety Board concluiu que o acidente se tinha ficado a dever a um ângulo de pranchamento demasiado elevado durante a aproximação para a aterragem. Deste facto resultou que a aeronave entrou numa perda aerodinâmica inadvertida da qual resultou um “spin” até o avião embater no solo.
Mas o que é que aprendemos durante a nossa formação e vem publicado no Airplane Flying Handbook da FAA, (código FAA-H-8083-3)? Simplesmente:
“...Normally, it is recommended that the angle of bank not exceed a medium bank because the steeper the angle of bank, the higher the airspeed at which the airplane stalls. Since the base-to final turn is made at a relatively low altitude, it is important that a stall not occur at this point. If an extremely steep bank is needed to prevent overshooting the proper final approach path, it is advisable to discontinue the approach, go around, and plan to start the turn earlier on the next approach rather than risk a hazardous situation...”
O que aqui se diz parece-me que diz tudo. Afinal, é tão simples!
2º Acidente – Identificação ANC11FA065
Este segundo acidente tem um desenvolvimento bastante diferente do anterior apesar do fim ser muito semelhante. Mais uma vez, uma situação de perda aerodinâmica a baixa altura. Vejamos o que nos diz o relatório do NTSB.
Testemunhas oculares do acidente declararam que a aeronave, um Piper PA-12 Super Cruiser com motor de 125 hp e capacidade para três ocupantes, descolou de uma pista particular.
Piper PA-12 Super Cruiser de 125 hp um avião tri-lugar semelhante à aeronave acidentada.
Disseram ainda que o motor da aeronave, ao atingir um altura de 200/300 ft AGL, começou a perder potência tendo o avião começado a executar uma volta pela esquerda. Os tristemente célebres “180 da morte”. Durante a volta, o nariz do avião caiu abruptamente – o resultado típico da “perda aerodinâmica” – colidindo com o solo numa atitude bastante vertical e de nariz em baixo. Duas das testemunhas, ambas pilotos, afirmaram ter notado que, antes da perda de potência, ouviram falhas de motor que soaram a um motor a funcionar de um modo irregular.
A investigação estrutural e de motor no período pós-acidente não mostrou qualquer situação que estivesse na base de um mal funcionamento da aeronave. Porém, houve um outro factor que pode ter influenciado, este sim, o acidente.
Na realidade, a carta de probabilidade de formação de gelo no carburador indicava que o nível de humidade relativa e a temperatura que se faziam sentir, à altura do acidente, no aeródromo mais próximo levariam à formação de gelo enquanto o motor fosse mantido à potência de planeio. Para conheceres o gráfico que põe em confronto a humidade relativa, o dew point e a temperatura, aconselho-te a rever o conteúdo da croniqueta Nº103 de 2007-11-02. Analisando este gráfico podes ter a surpresa de verificar que, em certas situações de temperatura positiva, se pode formar gelo no carburador.
Nunca te esqueças que, mesmo com temperaturas positivas e bem positivas, corres o risco de ver formar-se gelo no carburador do teu avião e, gelo no carburador é um perigo imediato.
Porém, factualmente, apesar das condições serem favoráveis à formação de gelo no carburador, não foi possível demonstrar que este fenómeno esteve na origem da perda de potência.
Apesar do acidente se ter dado junto a uma estrada e a 300 metros de um terreno livre, mesmo assim o piloto optou por realizar uma volta de 180º para regressar à pista de onde o avião tinha partido. Esta volta foi feita a baixa altura e com o motor a falhar o que implicava, certamente, baixa velocidade. Por esta conjugação de razões não é difícil perceber que o avião terminou numa perda aerodinâmica sem altura para uma recuperação.
Durante o impacte da aeronave com o solo, dada a violência do mesmo, o assento do piloto separou-se da restante estrutura (uma estrutura tubular) permitindo, assim, que o piloto acabasse por sofrer ferimentos graves e fatais.
O National Transportation Safety Board concluiu o seguinte:
“The pilot's decision to make a low-altitude turn back to the airport following a loss of engine power, which resulted in an aerodynamic stall and loss of control. Contributing to the severity of the pilot's injuries was the separation of the pilot's seat during impact.”
Este foi mais um acidente motivado por um piloto que preferiu fazer uma volta de 180º a aterrar em frente num terreno livre. Mais um acidente que termina em perda aerodinâmica a baixa altura e sem qualquer defesa para o piloto.
Ao longo destas croniquetas já chamámos a atenção da comunidade de leitores inúmeras vezes para a ratoeira que é fazer a volta dos 180º da morte. Evita racionalmente esta tentação. Parte o avião mas deixa o corpo inteiro.
3º Acidente – Identificação CEN12CA294
Neste acidente o piloto solicitou a uma amigo para esperar por ele na praia para poder observar o seu avião: um Van RV-6.
Um Van RV-6 idêntico à aeronave acidentada.
O amigo do piloto, e testemunha do acidente, declarou que viu o RV-6 fazer três passagens ao longo da praia. À terceira passagem, o avião fez uma volta apertada pela esquerda. Foi convencimento do espectador das manobras de demonstração que esta volta apertada induziu uma “perda aerodinâmica”.
Por declarações do piloto ficou a saber-se que este fez as passagens sobre a praia a uma altura de 100 ft AGL. Como calculas, realizar uma manobra destas à altura indicada é um grave atentado contra a Segurança Operacional e contra as leis estabelecidas para os voos VFR no anexo II da ICAO. Referiu aindao piloto que, quando realizou a volta apertada sobre a esquerda sentiu um estremeção e afundamento da asa esquerda como se, de repente, se tivesse dado o fenómeno da “perda aerodinâmica”.
O piloto ainda tentou nivelar de nariz ligeiramente em cima. Depois disto não se lembra de mais nada sobre o acidente. Contudo, a aeronave embateu no mar já numa zona com 1,5 m de profundidade de mar. A parte frontal da fuselagem sofreu graves avarias. A queda abrupta da asa esquerda do avião pode ser tomada como sinónimo desta ter entrado em perda aerodinâmica.
O National Transportation Safety Board determinou que a causa provável do acidente foi:
“The pilot’s low altitude maneuvering, which resulted in an inadvertent stall and subsequent impact with the water.”
Um acidente que aconteceu pela necessidade de o piloto fazer uma demonstração de exibicionismo a baixa altitude durante a qual se esqueceu que uma volta apertada ia aumentar substancialmente o factor de carga o que, como consequência, poderia originar uma “perda aerodinâmica”.
Este piloto teve sorte e saiu com vida do acidente. O mesmo já não poderá dizer um dos meus ex-alunos, que também embateu na linha de água mas teve o azar de se afogar, perecendo no acidente.
Descrevemos três acidentes com origens bem diferentes mas que terminaram com uma “perda aerodinâmica” perto do solo. Tão perto que não houve manobra de evasão possível. Um verdadeiro aviso para os riscos de uma distracção. Afinal, todos nós sabemos bem quais podem ser os riscos que às vezes assumimos inconscientemente.
Na próxima croniqueta voltaremos ao tema. Afinal ele não se esgotou. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº359
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Depois de mais uma lição de Segurança Operacional feita com um sorriso, passarei à análise de mais um tema que nos é proposto pelo NTSB na sua campanha desencadeada para fazer diminuir os acidentes do universo da Aviação Geral. Neste caso o tema são as “perdas” a baixa altitude que podem desencadear acidentes graves.
Terminarei com o desenvolvimento do estudo de um acidente ocorrido no estado do Missouri, com um helicóptero especializado em MEDVAC. Vais perceber como é perigoso o piloto, durante o voo, realizar tarefas que não estão directamente ligadas à condução da aeronave. O caso em apreço é um daqueles de bradar aos céus…
Porém, antes proponho-te o conteúdo do GPIAA News.
RELATÓRIO ANUAL DE SEGURANÇA OPERACIONAL 2012
Mais uma vez vem o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) apresentar o seu excelente relatório Anual sobre o panorama nacional de acidentes durante o ano de 2012. Para aceder ao documento basta seguir a hiperligação.
Está disponível na página electrónica do GPIAA, a partir de ontem o Relatório Anual de Segurança Operacional de 2012, elaborado pelo GPIAA, no cumprimento ao art.º 4º, nº 5, do Regulamento (UE) nº 996/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Outubro, relativo à investigação e prevenção de acidentes e incidentes na aviação civil, que determina:
“A fim de informar o público acerca do nível geral de segurança da aviação civil, é publicado anualmente um relatório sobre a segurança a nível nacional. Nessa análise, não devem ser reveladas as fontes de informação de carácter confidencial”.
Não deixes de ponderar sobre o conteúdo do Relatório. Um conselho do Fernando. Q
QUANDO OS POLÍTICOS NÃO SÃO CAPAZES DE ENTENDER A SEGURANÇA OPERACIONAL DA AVIAÇÃO - Parte II
No País da Aviação, os políticos continuam a não ser capazes de entender a Segurança Operacional da Aviação.
Para que não percas pitada da notícia não a traduzo:
“FAA to proceed with closure of 149 control towers
The Federal Aviation Administration is proceeding with plans to shutter 149 air-traffic control towers in June. "We don't have the money to keep them open," Transportation Secretary Ray LaHood told a House Appropriations transportation subcommittee.”
Quando começarem a acontecer acidentes porque a Aviação regrediu para níveis de segurança típicos de meados do século passado quem irá contabilizar o balanço de “Custos” versus “Proveitos”? Q
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XIX)
Aprende com os erros dos outros! Poderás não conseguir viver tempo suficiente para cometer todos por ti mesmo...
INICIATIVA DE SEGURANÇA OPERACIONAL DO NTSB – Parte - IV
O tema proposto pelo NTSB para análise e que hoje proponho para revisão intitula-se “Previne Perdas Aerodinâmicas a Baixa Altitude”. Afinal é um tema recorrente do qual ouves falar desde o início da tua instrução como piloto.
O National Transport Saefty Board alerta-nos contra este risco propondo:
Avoid this often deadly scenario through timely recognition and appropriate responses
O Problema
- Enquanto manobram um avião a baixa altitude em condições meteorológicas visuais (VMC), muitos pilotos falham em:
§ Evitar as condições que levam à perda aerodinâmica;
§ Reconhecer os sinais avisadores de que a aeronave está a entrar em perda; e
§ Aplicar as técnicas apropriadas para a recuperação da situação de perda.
- Muitos acidentes derivados de situações de perda que ocorrem em VMC derivam de distracções momentâneas do piloto em relação à sua função principal: voar a aeronave. Casos que ocorrem com alguma frequência nos circuitos de aeródromo, em situações de emergência ou quando a focalização da vista num ponto conspícuo no solo faz dispersar a atenção. Neste ponto aconselho-te a ler o Advisory Circular 61-67C da FAA, subordinado ao tema “Stall and Spin Awareness Training”. Basta seguires a hiperligação.
- Os acidentes motivados por perdas aerodinâmicas inserem-se na categoria da “perda de controlo em voo”, o factor mais comum no caso dos acidentes fatais da categoria de voos pessoais da Aviação Geral.
Para a semana prosseguiremos o tema que nos é proposto pelo NTSB. Até lá evita cair numa situação de perda aerodinâmica junto ao solo pois ela poderá ser-te fatal. Um conselho do Fernando. Q
UM SURPREENDENTE ACIDENTE DE HELICÓPTERO
Há uns anos atrás apareceram aqueles telemóveis analógicos – “bricks” monstruosos – caríssimos. Foi ver uma quantidade enorme de snobs (abreviatura de sine nobilitate) fazerem demonstração dos seus teres passeando-se com aqueles tijolos pretos que emprestavam nobreza, afinal aquilo que lhes faltava. Depois, por obra do demo, os tijolos encolheram, não por causa da chuva, mas devido ao avanço da tecnologia, os preços baixaram hiperbolicamente, e então, qualquer “pé rapado”, passou a dispor igualmente de telemóvel.
Nessa altura aquelas “caixinhas de fósforos” tornaram-se praga, quando não objecto de vício. A tal ponto que as autoridades tiveram de legislar para que os cidadãos se coibissem da sua utilização desbragado em situações que podem constituir perigo. Mesmo assim, a “rapaziada” continuou a usá-los em situações absolutamente absurdas. Tal como eu, já deves ter visto condutores a conduzir automóveis a alta velocidade, em auto-estrada, segurando o volante só com uma das mãos porque a outra segura o “aparelhozinho”. E quando é no bulício do trânsito das cidades que implica uma manobra de caixa de velocidades quase constante? Uma situação em que uma mão suplementar dava sempre jeito!
E a bordo de uma aeronave em que, por natureza, “faltam” sempre mãos para manobrar tudo aquilo que é preciso manobrar a cada momento?! Deves pensar, como eu, que é da mais primária falta de sageza a utilização de telemóveis enquanto pilotas uma aeronave. Porém, nem todos pensam como nós. Queres uma prova daquilo que afirmo? Se quiseres perceber tudo e conhecer os factos na exactidão consulta o Relatório de Acidente do NTSB - AAR/13/02 seguindo a hiperligação.
O voo é uma operação que não é naturalmente adequada à condição humana. Tem graus de liberdade a mais e certos parâmetros ultrapassam a sensibilidade dos sensores fisiológicos. Para que seja possível voar é necessário um treino prévio que nos permita ultrapassar as dificuldades intrínsecas do voo. Portanto, quanto menos tarefas tivermos de realizar num dado instante, tanto melhor. Daí as filosofias do “sterile cockpit” e outras destinadas a diminuir a nossa dispersão da atenção a um mínimo possível de modo a podermos controlar com o máximo de eficácia as diversas operações da pilotagem.
Passemos aos factos.
No dia 26 de Agosto de 2011 um helicóptero Eurocopter AS350 B2 semelhante ao da fotografia seguinte,
Eurocopter AS350 B2 equipado com uma turbina Arriel 1D1
especializado em operações “MEDVAC” (Medical Evacuation), tendo a bordo o piloto, um enfermeiro, um paramédico e um paciente, despenhou-se provocando a morte a todos os ocupantes da aeronave.
Mas o que é que esteve na origem deste acidente? Várias causas como sempre mas, uma delas é verdadeiramente surpreendente.
Estado em ficaram os destroços do Eurocopter AS350 B2 N352LN após o acidente.
O helicóptero despenhou-se contra o solo em virtude da perda de potência do motor como resultado de uma “panne” seca! No momento em que se deu o acidente prevaleciam condições VMC e a aeronave voava de acordo com o Plano de Voo VMC depositado.
O voo tinha sido iniciado num hospital de Bethany, Missouri, cerca das 1811 e seguia para o Midwest National Air Center (GPH) para fazer um reabastecimento, após o que o piloto planeava prosseguir para outro hospital, situado em Liberty, também no Missouri, a cerca de 7 NM de GPH. O helicóptero colidiu no solo com uma atitude de 40º nose down, com uma velocidade vertical elevada e com o rotor principal a baixas rpm.
O NTSB prossegue o seu relatório informando que:
“Wreckage examination determined that the engine lost power due to fuel exhaustion and that the fuel system was operating properly. The investigation revealed that the pilot did not comply with several company standard operating procedures that, if followed, would have led him to detect the helicopter’s low fuel state before beginning the first leg of the mission (from the helicopter’s base in St. Joseph, Missouri, to Harrison County Community Hospital).”
O conteúdo do sublinhado contém uma mensagem importantíssima para todos nós, pilotos. A ofensa à Segurança Operacional pode começar antes mesmo de se iniciar o voo como resultado de um “pre flight check” mal feito.
Provavelmente já te ocorreu o que possa ter acontecido em matéria da gestão de combustível. O que o Relatório do Acidente nos diz é textualmente o seguinte:
“After reaching the hospital, the pilot reported to the company’s EMS communication center that he did not have enough fuel to fly to Liberty Hospital and requested help locating a nearby fuel option. During their conversation, the pilot did not report and the communication specialist did not ask how much fuel was onboard the helicopter, and neither of them considered canceling the mission and having fuel brought to the helicopter.
Há umas semanas atrás, numa das minhas incursões pelos “Durty Dozen Errors in Maintenance” abordei a problemática do trabalho em equipa como sendo um ponto que pode levar ao erro e, como consequência, à ofensa da Segurança Operacional. Na altura expliquei que este “trabalho em equipa” (team work) não tem de acontecer exclusivamente no universo puro da Manutenção. Pode acontecer nas interfaces deste com os outros subuniversos da Aviação.
After determining that GPH (Midwest National Air Center) was the only airport with Jet-A fuel along the route of flight to Liberty Hospital, the pilot decided to proceed to GPH, although the estimated flight time to GPH was only 2 minutes shorter than that to Liberty Hospital. The engine lost power about 1 nm short of the airport, and the pilot did not make the flight control inputs necessary to enter an autorotation, which resulted in a rapid decay in rotor rpm.”
Estas diferenças de distância quase que nos parecem caricatas. Porém, o cálculo da endurance estava ferido de morte desde o início.
Neste ponto pode perguntar-se porque é que o piloto não executou uma manobra de auto-rotação quando ocorreu a falha de potência no motor. O NTSB, uma das causas que aponta para o facto é, e não traduzo para não adulterar minimamente o conteúdo do Relatório:
“...Distraction due to non-operational use of personal electronic devices during flight and ground operations.
Review of cell phone records indicated that the pilot sent and received multiple personal text messages throughout the day, including during time periods when the helicopter was in flight and while it was on the ground at Harrison County Community Hospital. The pilot’s texting, which occurred
1) while flying,
2) while the helicopter was being prepared for return to service, and
3) during his telephone call to the communication specialist when making his decision to continue the mission, was a self-induced distraction that took his attention away from his primary responsibility to ensure safe flight operations.
Further, although there is no evidence that the pilot was texting at the time of the engine failure, his texting while airborne violated the company’s cell phone use policy...”
Fica-se definitivamente com a dúvida se o piloto estaria a enviar SMS’s no momento da falha de potência. Porém, em minha opinião, de um ponto de vista abrangente, o que está em causa é o facto de um piloto de uma aeronave sem co-piloto, voando em VFR – como tal obrigado, entre outras coisas, à filosofia do “see & avoid” – poder cometer o erro de enviar SMS’s em voo – facto provado nas perícias do acidente.
Tal como para os automóveis, para os aviões também é válido “No Texting while Flying”.
Como é fácil de perceber, a operação de digitar e enviar mensagens de texto obriga naturalmente o piloto a deixar de prestar atenção à função principal de qualquer piloto: VOAR A AERONAVE. Se a paragem do motor num avião requer procedimentos imediatos, num helicóptero qualquer segundo perdido representa uma diminuição substancial da capacidade de executar uma manobra de “auto-rotação” com êxito e segurança.
Como disse atrás, qualquer acidente tem várias causas. Este acidente não foi uma excepção à regra. Assim, recomendo-te muito vivamente leres o texto completo do relatório do NTSB. Basta seguires a hiperligação indicada em Relatório de Acidente do NTSB - AAR/13/02.
Termino o tema com as recomendações insertas no corpo do Relatório e dirigidas à FAA:
As a result of this investigation, the National Transportation Safety Board makes the following safety recommendations:
To the Federal Aviation Administration:
1. Prohibit flight crewmembers in 14 Code of Federal Regulations Parts 135 and 91 subpart K operations from using a portable electronic device for non-operational use while at their duty station on the flight deck while the aircraft is being operated. (A-09-XX)
2. Require all 14 Code of Federal Regulations Part 121, 135, and 91 subpart K operators to incorporate into their initial and recurrent pilot training programs information on the detrimental effects that distraction due to the non-operational use of portable electronic devices can have on performance of safety-critical ground and flight operations. (A-09-XX)
3. Require all 14 Code of Federal Regulations Part 121, 135, and 91 subpart K operators to review their respective general operations manuals to ensure that procedures are in place that prohibit the non-operational use of portable electronic devices by operational personnel while in flight and during safety-critical preparatory and planning activities on the ground in advance of flight.
Nunca utilizes telefones celulares durante qualquer fase do voo, exceptuando, em minha opinião, uma única situação muito especial: quando tiveres uma avaria total dos sistemas COMM e necessitares de comunicar com um órgão ATC. Aí, talvez um telemóvel possa eventualmente ser útil e acrescentar Segurança. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.