Cronicas de Segurança Aeronáutica
Segurança Aeronáutica Nº311
Meu Caro,
Esta semana deu-se mais um acidente que ceifou a vida a mais dois companheiros nossos que manobravam uma aeronave ultraleve no campo de Benavente. Que repousem em paz são os meus votos mais sinceros. A estatística, este ano, está a tornar-se tristemente cruel. Estamos no início de Abril e já aconteceram três mortes em dois acidentes aeronáuticos. Não sei quais as razões que estão na origem dos acidentes. Vamos ter de esperar pelos relatórios do GPIAA para perceber o que realmente aconteceu. Embarcar no diz que disse, nunca.
Com a enorme tristeza que sempre me assalta quando escrevo as minhas crónicas sob o stress da morte de companheiros nossos em qualquer tipo de acidente aeronáutico, escolhi dois temas bem diferentes. Para abrir, um tema relacionado com a necessidade de voar sempre com os cintos das cadeiras bem apertados para evitar potenciais acidentes. Terminaremos com a análise de como taxiar um avião de trem convencional em situações de vento junto à pista. Nota que esta manobra apresenta algumas diferenças em relação aos procedimentos que muitos de nós aprendemos ao sermos instruídos a pilotar aviões de trem triciclo.
Estão disponíveis, desde ontem, na página eletrónica do GPIAA:
· A Nota informativa do Acidente com o ULM TL 2000 Sting, registo CS-UQL, ocorrido no dia 03 de abril, no Campo de Voo de Benavente;
· O Mapa Síntese dos Acidentes e Incidentes com Aeronaves Civis - Processos de Investigação de Segurança abertos em 2012.
Tendo sido aberto o Processo Nº 07/ACCID/2012 com uma primeira descrição do acidente considero interessante fazer a sua leitura. Para lhe acederes basta seguires a anterior hiperligação da Nota Informativa do Acidente.
AVIÃO ALTERA A ROTA POR INDISCIPLINA DE DOIS PASSAGEIROS
Um avião da Alaska Airlines num voo de carreira entre Long Beach, California, e Vancouver no Canada, foi obrigado a divergir e aterrar em Portland, Oregon, por actos de indisciplina praticados por dois passageiros, atitudes estas que puseram em risco a segurança operacional do voo.
Que actos de indisciplina foram estes? Simplesmente, duas criancinhas de 3 e 8 anos, nota bem a idade dos pimpolhos, acompanhadas pelos respectivos progenitores, recusaram-se a seguir viagem de cintos apertados. E os “paizinhos” das criancinhas, repito, de 3 e 8 anos não foram capazes de se fazer obedecer e os petizes não cumpriram com a instrução de “Fasten Seat Belt”. E como os “papás” destas duas “perolazinhas”, certamente para não as traumatizar psicologicamente, acharam que elas poderiam viajar sem os cintos apertados, o comandante do voo, afinal, ele, responsável pela segurança de todos os seus passageiros, achou por bem não prosseguir o voo com passageiros sem o cinto de segurança colocado. Daí ter divergido para Portland e convidado os passageiros infractores a abandonar a aeronave.
Imaginemos agora que o avião atravessava uma daquelas regiões com turbulência seca, não detectável no radar meteorológico da aeronave. Não é difícil supor que o avião, a certa altura, pudesse dar uma sacudidela mais violenta. E numa situação destas os passageiros que vão desamarrados arriscam-se fortemente a partir a testa contra as bagageiras da aeronave com resultados nunca totalmente previsíveis. Em casos mais violentos partem mesmo as bagageiras.
Se tal acontecesse, as criancinhas de 3 e 8 anos, que os papás não foram capazes de convencer a viajar de cintos apertados, poderiam avariar os referidos compartimentos de bagagem.
Se pensas que isto é difícil de acontecer posso relatar-te um episódio que se passou comigo próprio. Há uns anos atrás, quando disputava o Campeonato do Mundo de Rallye Aéreo como piloto navegador, numa etapa em dia de Verão ultra solarengo, a sudeste de Córdoba, o nosso Cessna C172 foi apanhado por uma “térmica” tão violenta que eu, de cinto bem apertado como sempre foi meu apanágio, bati tão violentamente no tecto do cockpit que, apesar de levar os “headsets” postos, desmaiei. Felizmente estava outro piloto a bordo que prosseguiu a etapa sem navegador. E esta foi a segunda vez que tal fenómeno aconteceu comigo! Como eu lastimei o facto de a aeronave não estar equipada com um arnês de quatro pontos! Isto é um perigo real. É um perigo que afecta a Segurança Operacional.
Infelizmente os pais dos pimpolhos de 3 e 8 anos, do voo da Alaska Airlines, não perceberam isto e como eram uns educadores frouxos, ou de uma espécie desconhecida, permitiram que as criancinhas prosseguissem o voo sem os cintos colocados.
E se elas se magoassem? Ah, nesse caso, apoiados por um qualquer escritório de advogados tipicamente americanos, quais abutres atacando a carniça, acusariam a companhia que, com dolo (!), teria feito a aeronave “atravessar uma zona de turbulência só para que os rapazinhos se aleijassem”. A culpa nunca seria destes pseudo-educadores que não conseguiam ter mão em dois jovenzinhos de tão tenra idade. Este caso é mais grave do que uma simples transgressão contra a Segurança Operacional. Revela o estado mental de parte de uma certa população que prepara (ou não) a juventude para um futuro de vida.
Tu que és um piloto consciente nunca voes sem o cinto bem apertado, nem tu nem os passageiros que estão à tua responsabilidade. Se for preciso faz como o comandante da Alaska Airlines. Nunca admitas por em risco a vida dos teus passageiros. Um conselho do Fernando. Q
A MANOBRA NO SOLO DE UM AVIÃO DE TREM CONVENCIONAL EM DIA DE VENTO
No dia 29 de Abril de 2011, na República do Eire, deu-se um acidente durante a rolagem de uma aeronave de trem convencional num dia de vento.
Sabes certamente o que é que significa a expressão “trem convencional”! Como os primeiros aviões tinham tipicamente esta disposição de trem convencionou-se chamar aos seus trens “convencionais”. Mas o que caracteriza este tipo de trem? Os aviões com este tipo de trem têm o centro de gravidade atrás do trem principal e dispõem de uma roda (ou uma béquille) que serve de apoio à cauda do avião.
Avião de Trem Convencional idêntico à aeronave acidentada, um Piper PA-16.
O interesse deste acidente deriva do facto de a grande maioria dos actuais pilotos nunca ter pilotado um avião de trem convencional, mas sempre aviões de trem triciclo e estes implicarem técnicas de rolagem um pouco diferentes. Assim, amanhã se fores receber treino para pilotares um avião de trem convencional vais ter de aprender novas técnicas de rolagem em dias de vento mais intenso.
O acidente de que me sirvo par ilustrar o ponto é relatado no Accident Report No: 2012-008 do AAIU. Como sempre aconselho-te vivamente a fazeres uma leitura completa deste relatório para perceberes todos os pormenores. É interessante notar que o piloto, de 68 anos, tinha uma experiência de voo de 1346 horas, das quais 900 no tipo. Isto é importante para perceber que não estamos perante um piloto novato, nem um piloto sem experiência de voo num avião de trem convencional. Salvo melhor opinião, um piloto que deveria saber defender-se de uma situação de vento mais forte no solo. Porém, todos nós temos um dia em que praticamos uma desatenção e o acidente dá-se.
Mas o que aconteceu? Basta ler a sinopse do Relatório para entender o acidente:
Having landed normally on Runway (RWY) 25, in gusty conditions, the Pilot was conducting a turn to backtrack along RWY 07 towards the airfield hangar when a gust of wind lifted the tail, resulting in the aircraft nosing into the ground and flipping over on its back. While the aircraft was substantially damaged, there were no injuries to persons on board.
Na foto seguinte podemos ver o estado em que ficou o Piper PA16 – um avião muito pouco vulgar em Portugal – depois do acidente.
O Piper PA16 depois do acidente. Foto retirada com a devida vénia do relatório do AAIU.
Depois do acidente o piloto referiu que, antes do voo de 15 minutos, o vento soprava de 260/15 kts ou seja, praticamente enfiado com a pista. Depois da aterragem o piloto pretendeu fazer um “back track” na pista 07. E, quando se encontrava a 90º na manobra de inversão de direcção, deu-se o acidente. Segundo as próprias palavras do piloto ‘freak gust of wind lifted the tail and took the aircraft onto its nose…then right over on its back’”.
Vejamos quais os procedimentos que devem ser seguidos na manobra no solo de uma aeronave de trem convencional.
O procedimento normal para taxiar um avião de trem convencional passa por manter o manche firmemente na posição extrema traseira. Esta posição assegura que se exerce uma força de cima para baixo na cauda do avião o que ajuda a evitar uma cambalhota como aquela que deu o Piper PA-16.
Quando se taxia/volta um avião de trem convencional numa situação de vento de través, a asa do lado do vento tende normalmente a ser levantada, a não ser que o controlo de ailerons seja mantido na direcção do vento (aileron do lado do vento na posição UP). Movendo o aileron para a posição UP reduzem-se os efeitos do vento que varre aquela asa reduzindo-se, assim, a força que tende a elevá-la. Este movimento dos comandos provoca que o aileron oposto seja colocado na posição DOWN, criando resistência aerodinâmica e, possivelmente, alguma sustentação na asa do lado contrário ao vento, reduzindo ainda mais a tendência da asa do lado do vento a levantar.
Visto o avião acidentado ter continuado a taxiar/voltar em direcção ao vento de cauda (posicionando-se numa situação de través a 90º), o leme horizontal deveria ter sido mantido na posição “Full DOWN” (manche completamente à frente) e o aileron do lado do vento deveria ter sido mantido completamente em baixo. Desde que o vento “ataque” o avião pelo lado de trás, estas posições dos comandos minimizam a tendência para o vento se enfiar por de baixo da cauda e da asa do lado de onde o vento sopra, fazendo a aeronave cambalhotar. Estas manobras com os comandos permitem, ainda, minimizar a tendência de cata-vento, aumentando a controlabilidade da aeronave. Quando um avião de trem convencional taxia debaixo de ventos de cauda fortes o manche deverá ser empurrado para a frente, baixando o leme horizontal e mantendo uma corrente de ar que empurra para baixo o plano de cauda.
A manobra em terra, de um avião de trem convencional, em condições de vento de alta intensidade é sempre um desafio e implica uma constante manobra de inputs adequadas às condições de vento às quais a aeronave está sujeita a cada momento. Principalmente quando o eixo do avião se apresenta de través em relação à direcção do vento.
Todo este tema é excelentemente tratado no Capítulo 13 “Transition to Tail Wheel Airplanes” no manual da FAA intitulado “Airplane Flying Handbook” e pode ser encontrado em FAA-H-8083-3A, Airplane Flying Handbook -- 6 of 7 files. Para acederes ao manual da FAA basta seguires a hiperligação.
Se pilotares um avião de trem convencional não te esqueças nunca do enorme número de acidentes que ocorriam no solo com este tipo de aeronaves. Segue sempre as regras para evitar atitudes perigosas. Em especial, nos dias de vento. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.Segurança Aeronáutica Nº310
Nº 310 Ano - VII 2012-03-30
Meu Caro,
Esta foi a primeira semana negra do ano aeronáutico. Como sabes, o ano passado, não houve nenhum acidente do qual tenha resultado alguma fatalidade. Infelizmente, esta semana deu-se o primeiro acidente mortal do ano. Um companheiro nosso encontrou a morte ao efectuar um voo com um moto-planador. Um acidente que nos deixa com algumas dúvidas pois, conforme se afirma na “Nota Informativa do Incidente” “…O embate foi de nariz, na vertical, tendo a cabina ficado destruída e o piloto sofrido morte imediata…”. Isto é esquisito tratando-se de uma aeronave que é basicamente um planador. Aguardemos o relatório final que, certamente, nos esclarecerá do que realmente sucedeu.
Para hoje preparei um tema que me pareceu importante pois nota-se alguma indisciplina nas frequências aeronáuticas. Nalguns casos indisciplina pura e dura. Noutros algum esquecimento daquilo que os pilotos aprenderam nas suas primeiras aulas de Comunicações.
Ficaram disponíveis, a partir do dia 27 de Março, na página eletrónica do GPIAA:
· A Nota informativa do Incidente com o Moto-Planador, registo D-KLH7, ocorrido no dia 25 de março, em Alvarim, Águeda;
· O Mapa Síntese dos Acidentes e Incidentes com Aeronaves Civis - Processos de Investigação de Segurança abertos em 2012
Disponibilizamos, igualmente, Decreto-Lei nº 80/2012, de 27 de março, que aprova a nova Lei Orgânica do GPIAA, publicado no Diário da República 1ª série, nº 62, de 27 de março.
DISCIPLINA DAS COMUNICAÇÕES AERONÁUTICAS
Como deves estar recordado, há cerca de um mês ocorreu um incidente com um avião da TAAG que, pouco depois de descolar de Lisboa, teve uma avaria nos seus sistemas de radiocomunicações, da qual resultou o bloqueamento das frequências aeronáuticas de Lisboa, deixando as restantes aeronaves, que estavam a operar na região da capital, sem capacidade de comunicar com o ACC em virtude das frequências estarem bloqueadas.
Lembro-me que, logo nas minhas primeiras aulas de comunicações, o instrutor da cadeira nos ter alertado para a necessidade de pensar bem no que se pretendia comunicar e como o faria, antes de premir o botão do PTT. Aprendi que, ao premirmos o botão, estávamos a bloquear algo que era de toda a comunidade aeronáutica e que não tínhamos o direito de fazer um mau uso deste bem. Aprendi que premir o botão do PTT e começar a transmissão com um “Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh” de trinta segundos era errado e podia comprometer a segurança.
Mas, se a simples ocupação indevida da frequência já é um atentado contra a Segurança Operacional, pior é a situação em que duas estações transmitem simultaneamente ficando definitivamente comprometida a correcta percepção da mensagem por parte do destinatário. E repara que uma estação pode não estar a transmitir informação. Apenas a onda portadora, devido ao botão do PTT estar premido. Se quiseres ver um exemplo de “comunicações bloqueadas” segue a hiperligação e escolhe a opção “Blocked transmission”. Terás a oportunidade de ver um caso real explicado por uma controladora. Ilustra muito bem um risco grave para duas aeronaves.
Mas, afinal, como se define “Transmissões Simultâneas de Radio” (TSR)?
Diz-se que acontece uma TSR quando duas ou mais transmissões de rádio ocorrem, simultaneamente, na mesma frequência. Neste contexto, a expressão “ simultaneamente” significa que duas ou mais transmissões se sobrepõem de tal modo que o controlador (ou o piloto) fica incapacitado de detectar que mais do que uma transmissão está a ocorrer podendo, assim, gerar-se uma potencial situação de quebra de segurança operacional.
Da transmissão simultânea por duas estações resulta que uma ou as duas transmissões ficarão bloqueadas e inaudíveis pela outra estação (ou ouvidas como um som imperceptível).
Normalmente os receptores estão equipados com um sistema de filtros do tipo “Best Signal Selection” (BSS) que excluem a recepção de mais do que uma transmissão.
Como tal, se ocorrer uma sobreposição de sinais, o sistema exercerá uma selecção do tipo de sobreposição, ou da intensidade relativa dos sinais, ou da variação das frequências, ou da distância entre os emissores e o receptor.
Sinal perdido ou sobreposto e mecanismos de detecção.
Vejamos, agora, o verdadeiro significado das diversas situações que podem acontecer.
Deformação de sinal – Neste caso os sinais têm igual potência e são ambos transmitidos com deformações do sinal. Este fenómeno é muito provavelmente detectado pelo receptor do Controlo de Tráfego Aéreo devido à deformação do sinal.
Sobreposição parcial de sinal – Nesta situação o sinal mais fraco não é completamente abafado pelo mais forte. Esta situação pode levar à diferenciação acústica (também denominada por “clipping”) e, nalguns casos, a detecção do fenómeno depende da duração do sinal mais fraco em relação ao sinal mais forte.
Sobreposição total de sinal – Neste caso o sinal mais forte abafa completamente o sinal mais fraco. Apesar de ambos os sinais serem transmitidos, certas leis da física fazem com que o receptor elimine o sinal mais fraco provocando que só um seja recebido pelo Controlo de Tráfego Aéreo. Apesar de ser possível ouvir um sinal distorcido nestas circunstâncias, dependendo do tipo e arquitectura do sistema de radiotransmissão, não é possível esperar uma detecção de qualidade suficiente.
Vejamos os diversos cenários que podem ocorrer no caso de transmissões simultâneas:
Cenário #1: Dois pilotos transmitem simultaneamente
- na mesma frequência para um mesmo receptor em terra;
- na mesma frequência para dois ou mais receptores em terra equipados com sistema de “Best Signal Selection”;
- Em duas frequências conjugadas pelo controlador.
Cenário #2: Transmissão simultânea pelo Controlo e um piloto
- na mesma frequência;
- em frequências acopladas.
Depois desta análise é interessante perceber quais são os efeitos das transmissões bloqueadas. Vejamos:
- A totalidade ou parte da mensagem é bloqueada;
- Um piloto não actua de acordo com a “clearance” que lhe é dirigida;
- O piloto actua de acordo com a “clearance” que não lhe era dirigida a ele, mas sim a outra aeronave;
- Atraso inaceitável no estabelecimento de uma comunicação rádio, na transmissão de uma “clearance” ou na passagem de uma mensagem;
- Aumento da carga de trabalho, quer dos controladores, quer dos pilotos, em virtude da necessidade de desfazer a confusão.
Todos estes cinco efeitos das transmissões bloqueadas são por si só violações da Segurança Operacional pelo que são de evitar a todo o custo.
Como devemos então proceder para evitar as anteriores situações? Antes de mais mantendo a disciplina das comunicações como aprendemos desde a nossa primeira aula de Comunicações. Começa por nunca te esquecer da “Regra dos Três C”: faz as comunicações curtas, claras e concisas; o piloto deverá comunicar com o Controlo de Voo explicando a situação, as intenções e os pedidos de uma forma o mais clara possível e sem ambiguidades; o Controlador, por seu lado, responderá transmitindo instruções igualmente claras e sem ambiguidades.
Vejamos, agora, alguns aspectos importantes da disciplina das comunicações:
- Nunca transmitir sem primeiro ouvir o tráfego de comunicações na frequência. Este procedimento é fundamental para não entrar na frequência e interromper qualquer comunicação que esteja em curso entre uma aeronave e o órgão ATC;
- Usar sempre a fraseologia standard;
- Respeitar sempre o formato e o conteúdo das mensagens;
- Utilizar, de uma forma correcta e compreensível, as línguas aceites no país onde decorrem as comunicações. Note-se, por exemplo, a dificuldade de, às vezes, manter uma comunicação em inglês com os órgãos ATC americanos cujos controladores falam com os mais diferentes sotaques muitas vezes próximo do incompreensível;
- Comunicar a uma velocidade de transmissão da comunicação, correcta. Recordo-me sempre de alguns controladores portugueses, querendo alardear não sei o quê, falarem com uma velocidade tal que mais parece estarem a fazer um relato desportivo de uma modalidade rápida. Nunca consegui perceber a razão porque estes controladores parecem fazer gala de comunicar com uma velocidade de tal modo elevada que compromete definitivamente a boa percepção das comunicações. Isto é ainda mais grave quando acontece em aeródromos com alunos em instrução. Nestes casos só há uma maneira de resolver o problema com total segurança. Com “Say again” sucessivos até termos a certeza que compreendemos perfeitamente o conteúdo da mensagem. Nunca aceites a dúvida.
- Fazer sempre os “read-back” o mais correctos possíveis;
- Nunca utilizar uma frequência para comunicações que não as definidas para a mesma;
- Nunca utilizar uma frequência para comunicações particulares.
Muito mais coisas se poderiam dizer sobre esta matéria tão importante para a Segurança Operacional. Penso, porém, que aquilo que já se disse e os alertas realizados são suficientes. Nunca comuniques de qualquer maneira pois é perigoso. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ Como sempre, um abração do Fernando Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.
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Segurança Aeronáutica Nº309
Meu Caro,
Qualquer modalidade aeronáutica, desde o Aeromodelismo até aos grandes aviões de linha aérea, implica por parte de quem a pratica, conhecimentos muito concretos e correctos. Não é uma actividade onde possa grassar a ignorância. A ignorância é por si só um atentado à Segurança. Abordaremos este tema logo a abrir a crónica desta semana.
Depois iremos abordar o perigo de operar sobre radio-ajudas fora de serviço. Mantém-te sempre atento à AIS.
O SABER OU NÃO SABER EM AVIAÇÃO
Há tempos, ao ler uma qualquer publicação da especialidade, li a opinião de um aviador, Scott Spangler de seu nome próprio, sobre sapiência aeronáutica. Uma opinião construída após ter feito um teste de segurança aeronáutica do Air Safety Institute. Basta seguires a hiperligação para teres acesso aos mais diversos testes. Scott referia-nos o seguinte (não traduzo para não lhe tirar o sabor próprio da língua original):
"Like most pilots I was pretty confident of my knowledge, even though I haven't put it into practice for a few years”
Depois de ver a classificação obtida no teste, Scott escreveu: “ – Um resultado verdadeiramente humilhante!”.
E tu, meu Caro? Se fizesses um teste destes que resultado obterias? Não me vou pôr a adivinhar. Prefiro dar-te a ideia do que penso que se passaria comigo. Tirei as minhas licenças há mais de vinte anos. Muito provavelmente passar-se-ia comigo exactamente o que se passou com o Scott. Na realidade talvez não pois tive alguns factores a meu favor. Afinal, desde que obtive a minha licença, dei aulas de diversas matérias que estão na base do saber aeronáutico. Para o fazer tive de me manter permanentemente actualizado e com a matéria em dia. Depois, vai para sete anos, escrevo estas crónicas que me obrigam a estudar permanentemente. Se estes dois factores não acontecessem teria perdido muito do meu knowhow e teria uma má nota. A má nota reflectiria um airmanship fraco. Um airmanship em enfraquecimento constante, numa caminhada imparável para a ignorância total.
Por isso, meu Caro, tem cuidado com esta situação. Nunca deixes de reler aqueles manuais que pensas que sabes de cor pois, se calhar, não é bem assim e as matérias estão esquecidas. A sapiência é fundamental em Aviação. O problema é que só nos apercebemos realmente desta verdade quando estamos lá em cima numa situação complicada. Nunca deixes a tua ignorância progredir. Um conselho do Fernando. Q
RADIO-AJUDAS INOPERACIONAIS
Na minha penúltima crónica, no tema intitulado “Como Verificar a Operacionalidade de uma Estação VOR/DME”, dizia a certa altura “Quando vais fazer uma viagem qual é o primeiro cuidado a teres? Eu diria que era consultar o AIP de Portugal e os Notam’s em vigor. Consultando o AIP poderás perceber quais são os ângulos e as altitudes cegas, e as distâncias alcançáveis pela estação. Poderás, ainda, ter informação sobre os períodos de manutenção em que, naturalmente, a navegação sobre a estação não é viável ou segura.”.
Naturalmente esta minha afirmação pode extrapolar-se para todos os países que publicam os seus AIP’s e NOTAM’s.
Mas porque é que volto ao tema abordado há tão pouco tempo atrás? Efectivamente há uma razão. Estive a ver na televisão um programa da National Geographic onde se fazia a análise do acidente com voo Korean 801 com origem em Seul e destino a Guam. Um documentário onde se focam alguns aspectos mais espectaculares do CFIT deixando de fora outros aspectos tecnicamente mais subtis mas mais importantes para nós Aviadores. Compreende-se. Afinal é um programa de televisão e não um documento didáctico para iniciados. Para estes recomendo muito francamente a leitura do Accident Report NTSB/AAR-00/01, um CFIT com um Boeing B747-300 ocorrido em Nimitz Hill, na aproximação ao aeroporto de Won Guam International Airport, Agana, no dia 6 de Agosto de 1997 pelas 01:42:26 (Guam Local Time).
Não pretendo fazer uma dissecação completa do acidente. Se quiseres descer a esse nível de pormenor consultas o Relatório atrás indicado. Certamente aprenderás muita coisa. Nesta crónica quero somente reforçar a importância do conhecimento prévio da Informação Aeronáutica para a realização de qualquer voo. Para o dia deste voo havia um NOTAM informando que o ILS de Agana estaria inoperativo por um período de três semanas. Este facto inibia, naturalmente, as descidas de precisão para qualquer uma das pistas do aeroporto. Como tal teria de ser realizada uma descida IFR de “não precisão” visto as condições meteorológicas não permitirem o voo em VFR.
Assim, deveria ser realizada uma descida como aquela que se pode ver na imagem seguinte, retirada do próprio Relatório. Uma descida VOR/DME que começaria por fazer um arco VOR/DME até interceptar a radial 063 do VOR NIMITZ (UNZ). Estabilizada a aeronave nesta radial, aos 2600ft deveria iniciar-se uma “long final” em que aquela deveria descer por patamares, acompanhando o declive orográfico. Dado que não havia mais nenhuma referência de distâncias DME até ao “aim point” da pista, a tripulação teria de estabelecer toda a descida com referência na estação DME do VOR UNZ. Uma situação menos vulgar visto esta estação se encontrar à distância de 2.8NM antes do “missed approach point”. Não havia directamente uma distância à pista, mas sim a um VOR que se encontrava no caminho para o eixo da pista.
Carta de aproximação ao Aeroporto de Agana reproduzida com a devida vénia a partir do Relatório do NTSB
No momento em que o Boeing 747 inicia a sua descida final forma-se, à sua frente, um aguaceiro violento que transtorna toda a visibilidade da pista. Isto cria uma enorme tensão na tripulação que se encontrava destreinada de realizar descidas de “não-precisão”. Isso mesmo se pode perceber da recomendação feita pelo NTSB:
To the Korean Civil Aviation Bureau:
Require Korean Air to revise its video presentation for Guam to emphasize that instrument approaches should also be expected and describe the complexity of such approaches and the significant terrain along the approach courses and in the vicinity of the airport. (A-00-21).
Para agravar tudo isto, a não-operacionalidade do “Glide Slope” (G/S) do ILS complicou de sobremaneira a acção da tripulação. Mas houve algo que ainda veio agravar mais a situação.
Efectivamente, durante a descida, por uma razão que nunca conseguiu ser identificada, uma qualquer emissão espúria na frequência do G/S do ILS de Agana, fez desaparecer a bandeira de “G/S N/A” (Glide Slope Not Available) por diversos instantes intermitentes. Ora uma tripulação em estado de extremo fadiga, no meio de uma descida muito complicada, ao ver a bandeira “G/S N/A” desaparecer, num fenómeno típico daquilo a que os psicólogos chamam de “atenção expectante”, “agarraram-se” instintivamente a um pseudo sinal intermitente de G/S. Perceberam aquilo que desejavam perceber e não a situação real. Ora, como disse atrás, o sinal de G/S não era do ILS de Agana pois este estava fora de serviço para manutenção. Toda esta confusão baralhou a tripulação que estava numa péssima condição física. Quando o Comandante optou pelo “go-around” era tarde de mais e a inércia da enorme massa do B747 fez o resto: um CFIT que levou a aeronave a embater contra o solo a cerca de 100m do VOR NIMITZ.
Como disse logo no início desta crónica não pretendo de modo algum desmontar o acidente nos seus diversos componentes. Unicamente me sirvo do grave acidente com o voo Korean 801 para ilustrar a necessidade de, em caso algum, mesmo que estejas aflito, utilizares radio-ajudas que estejam consideradas fora de serviço. Lembra-te que um eventual sinal recebido dessas radio-ajudas poderá não ser seguro, acabando por te desviar da rota correcta, levando-te ao acidente. As informações do AIS (Aeronautical Information Services) são para ter sempre em conta. Pô-las para trás das costas pode ser muito perigoso como penso ter-te demonstrado com este acidente ocorrido em Guam.
Consulta sempre toda a informação prestada pelo AIS e respeita-as. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.Segurança Aeronáutica Nº308
Meu Caro,
Nesta minha crónica de hoje vamos, através de três casos distintos, analisar o perigo de colisão com obstáculos artificiais menos visíveis. Três situações bem diferentes mas bem ilustrativas do risco.
Estão disponíveis, desde ontem, na página eletrónica do GPIAA:
· A Nota informativa do Incidente com o Pioneer 200, registo CS-UPK, ocorrido no dia 12 de março,em Pé da Pedreira, Alcanede;
· A última atualização do mapa síntese dos acidentes e incidentes com aeronaves civis, ocorridos em 2012;
· A última atualização das recomendações de segurança formuladas em 2011 (acompanhamento).
OBSTÁCULOS INVISÍVEIS – PERIGO DE COLISÃO
Basicamente há dois tipos de obstáculos para a Aviação:
- Obstáculos Naturais;
- Obstáculos Artificiais.
O grupo dos primeiros é basicamente constituído pela orografia do terreno. Por outras palavras, a própria Terra Mater. Como sabes, a sua existência é muito anterior à própria Aviação…
O segundo grupo são os obstáculos criados pelo próprio Homem. Obstáculos, quantas vezes de dimensões que os tornam pouco visíveis na própria paisagem. Estes obstáculos são mais perigosos quando estão colocados em locais onde nunca deveriam ter sido erigidos. Uns legais, outros completamente ilegais. Uns devidamente referenciados, outros completamente clandestinos.
O motivo que despoletou a abordagem deste tema foi uma notícia que recebi da AOPA USA em que se informa da morte de um companheiro nosso, especialista em aviação agrícola. Todos sabemos que esta actividade de pulverizações tem perigos extras pois desenvolve-se a muito baixa altitude. Contudo, temos dificuldade em aceitar as circunstâncias em que aconteceu o acidente que roubou a vida a este piloto profissional.
Colisão com uma torre de recolha de dados meteorológicos
No dia 10 de Janeiro do ano passado um piloto especializado em pulverizações agrícolas, com 58 anos de idade e 26.000 (!) horas de voo, colidiu com uma torre de recolha de dados meteorológicos aos comandos de um avião Rockwell S-2R.
Rockwell S-2R semelhante à aeronave acidentada.
Na notícia que recebi da AOPA USA diz-se textualmente uma frase com a qual estou 100% de acordo e, certamente, tu também. Diz-se que:
One of the hardest things in life (and aviation) is the purely random tragedy where those who pay the heaviest price haven’t done anything wrong.
Foi esta a situação que, a seguir, vamos ver mais em detalhe. Efectivamente o acidente deu-se porque o Rockwell S-2R embateu contra uma torre de recolha de dados meteorológicos não assinalada nas cartas de navegação, enquanto fazia uma operação de pulverizações na Califórnia!
Testemunhas interrogadas durante o inquérito ao acidente confirmam que o piloto fez uma passagem baixa de reconhecimento antes de iniciar a operação como é boa prática deste tipo de voos. Porém, muito provavelmente o piloto, durante esta volta de reconhecimento, não deu conta da presença da torre visto ela ser de metal, não pintada, o que dificulta imenso a sua visibilidade contra a paisagem circundante. Por outro lado, a torre não dispunha de nenhuma luz de sinalização, bandeiras ou outros dispositivos que melhorassem a sua visibilidade. Conforme confirma o NTSB:
“The fact that these towers are narrow, unmarked, and grey in colour makes for a structure that is nearly invisible under some atmospheric conditions.”
Ainda de acordo com as testemunhas, o piloto não tentou sequer uma manobra de evasão o que vem demonstrar que não se apercebeu da presença do obstáculo.
Por experiência própria sei que o mesmo se passa com as linhas de alta tensão. Quando os cabos são de alumínio, estão novos e o sol incide com um ângulo favorável, estas linhas tornam-se umas “serpentes” de prata bem visíveis à distância. Quando os cabos já estão oxidados ficam duma cor cinzenta baça que, mesmo com o sol em posição favorável, os torna muito dificilmente visíveis para além de uma certa distância.
Retornando ao acidente em análise, a torre tinha sido erigida em Abril de 2009 com o objectivo de fazer medições de vento. Tinha 60m (197 ft e 8,25”) de altura e quatro conjuntos de estais que se espalhavam até 56m do pé da torre. Note-se que a entidade que a instalou, no requerimento para autorização da instalação, feito às autoridades locais, confirmava e, passo a citar:
“...its height was lower than the 200-foot threshold set by the FAA, and thus meets FAA regulations.”
Concedida a licença, válida até ao fim de Agosto de 2009, esta explicitava que a torre deveria estar desmontada até trinta dias depois do fim do prazo de autorização. As autoridades explicitavam, ainda, que a torre poderia estar montada por mais um ano desde que o operador o solicitasse expressamente, o que nunca aconteceu.
Porém, esta torre praticamente invisível, um ano e meio depois, continuava montada no local, numa situação totalmente ilegal! Uma ilegalidade que acabou por provocar uma morte.
Analisemos uma outra ilegalidade bem mais fatídica.
Colisão com uma grua em situação ilegal
Há uns anos atrás um piloto espanhol, meu companheiro das andanças dos rallies aéreos, pediu-me para assinar uma petição ao Governo de Espanha com a finalidade de resolver uma situação caricata.
A pressão urbanística é fortíssima sobre os terrenos dos aeródromos, terrenos já terraplanados com uma avenida central. Não é só em Portugal que se destrói um aeródromo – Covilhã – construído à custa dos impostos dos contribuintes, para nele se instalarem edifícios para servirem uma empresa privada. Em Espanha a situação não é melhor e é bem ilustrada por um acidente do qual resultaram quatro mortes.
A cidade de Barcelona tem um aeródromo exclusivo de Aviação Geral: Barcelona-Sabadell (LELL), a casa do maior aeroclube de Espanha, que dispõe de uma frota de 39 aeronaves.
Pista do Aeródromo de Sabadell
Para além do Aeroclube, neste aeródromo estão instaladas diversas indústrias ligadas à Aviação.
Através da fotografia anterior podes observar a pressão urbanística que se faz sentir sobre o aeródromo. Ora, o acidente em análise resultou desta mesma pressão e do desleixo das autoridades locais. Mas afinal o que é que esteve na base do acidente? A implantação clandestina de uma grua de elevado porte na zona de protecção do aeródromo, mais concretamente na Urbanização de Más Duran de Sant Quirze del Vallès. Depois de alertadas as autoridades locais, estas intimaram o construtor civil a desmontar a referida grua, intimação à qual o construtor não ligou nenhuma. Como as autoridades não tomaram qualquer medida para o desmonte coercivo da estrutura, esta foi ficando até acontecer o acidente. Recorrendo aos documentos oficiais espanhóis ficámos a saber que:
En un párrafo de la información se subraya que Aviación Civil denegó en mayo de 2004 el permiso para ubicar una gran grúa en la zona, pues estaba dentro del aérea de las servidumbres aeronáuticas. Asimismo, sobre la grúa que causó el accidente se afirma que esta dentro del radio de 2.500 metros, que sobrepasaba en 16 metros el cono de la servidumbre y que el constructor no pidió permiso a Aviación Civil para instalarla. La grúa que causó el accidente se instaló el 21 de febrero de 2005.
A aeronave, um Cessna C-172N do Aeroclub de Barcelona-Sabadell, com “four souls on board”, ao descolar da pista 31 de Sabadell, no dia 25 de Outubro de 2005, depois de ter percorrido cerca de uma milha, colidiu contra a grua instalada num edifício em construção a qual conflituava com a superfície inferior de protecção do aeródromo. Note-se que, após o acidente, foi calculado que a aeronave descolou com 154kg acima do MTOW. Um “pecado” do piloto comandante.
Trajectória seguida pela aeronave acidentada e as trajectórias previsíveis. Retirado, com a devida vénia, do Relatório da CIAIAC.
Desta colisão resultou a morte de todos os ocupantes do avião.
O Cessna EC-EME tentando evitar a colisão poucos instantes antes do embate com a grua.
Depois do acidente este foi o estado em que ficou o grupo motopropulsor do Cessna. Retirada com a devida vénia do Relatório da CIAIAC.
Quando se esperava que as autoridades espanholas mandassem avançar de imediato o “pelotão de fuzilamento” para punir exemplarmente os infractores responsáveis pelas mortes, ficámos todos estupefactos com a decisão daquelas. Mandaram pura e simplesmente encerrar o aeródromo de Sabadell bloqueando não só a actividade aeronáutica, mas também a industrial!!!
E assim, o aeródromo esteve encerrado durante 21 largos dias. Era Ministra do Fomento, na altura, Doña Magdalena Álvarez que deve ter pensado que o problema resultava de haver aviões operando em aeródromos e nunca de pacatas gruas de construção civil. Mais um exemplo de ministros que gerem pastas das quais não percebem nada? Que responda quem souber!
Foi preciso fazer manifestações à porta do Ministério do Fomento de España, enviar abaixo-assinados, etc. etc., etc., para conseguir que os mentecaptos que mandaram encerrar o aeródromo voltassem atrás na decisão. Se quiseres saber mais consulta o Relatório Técnico do CIAIAC Nº A-063/2005. Basta seguires a hiperligação
Mais um triste exemplo do perigo das colisões com obstáculos.
Colisão de uma aeronave com os cabos de um teleférico
Há semanas atrás vi uma reportagem sobre um acidente ocorrido em Itália, Cavalese, no dia 3 de Fevereiro de 1998. Um acidente em que uma aeronave militar EA-6B Prowler do US Marine Corps cortou um cabo de suspensão da cabina de um teleférico que transportava esquiadores para o alto da pista de sky no vale de Cavalese. Um acidente muito comentado na altura. Note-se que o cabo de suspensão, de 5 cm de diâmetro, foi cortado e cortou uma boa porção da profundidade da corda da asa do Prowler. Sem suspensão a cabina caiu no fundo do vale, uma queda da qual se veio a lastimar a morte dos 20 ocupantes do teleférico. O avião do USMC fez uma complicada aterragem de emergência numa base italiana, sem que deste voo resultassem baixas para os militares americanos.
EA-6B Prowler do US Marine Corps idêntico ao acidentado.
Aspecto da asa do Prowler após o acidente vendo-se os dois cortes provocados pelos cabos do teleférico.
Não vamos fazer uma análise aprofundada do acidente apesar de haver aspectos interessantes. Vou resumir-me a um único aspecto, que concorreu para o trágico acidente. Um aspecto detectado durante as investigações.
Durante as investigações a tripulação referiu que, nas suas cartas de navegação, não estavam referenciados quaisquer obstáculos no vale. As autoridades italianas contrapuseram que efectivamente os cabos dos teleféricos estavam representados nas cartas italianas. Efectivamente, assim era.
A tripulação americana utilizava as célebres TPC (Tactical Pilotage Charts) que muitos de nós também utilizámos cá em Portugal. Estas cartas são produzidas pela NIMA (National Imaging and Mapping Agency) a partir de informação recebida dos diversos países representados na carta. No caso vertente foi o Governo Italiano que forneceu os dados base (raw data) que permitiram construir as cartas americanas. Porém, misteriosamente, os dados referentes aos cabos dos teleféricos italianos tinham desaparecido da base de dados americana que fornecia os dados para a produção directa das cartas. Mais curioso é que esses mesmos dados referentes aos cabos dos teleféricos austríacos, situados ligeiramente mais a norte, mas dentro da mesma folha da TPC, não tinham desaparecido.
Dados geográficos correctos mas cartas com erros. Uma situação sempre possível e muito difícil de validar.
Carta TPC da zona do acidente onde não se vêem assinalados os cabos italianos, ao invés dos cabos austríacos que estão assinalados.
Esta situação levanta-nos um princípio que aprendi com um velho colega do Aeromodelismo, um notável especialista em cartografia. Durante um jantar a nossa conversa incidiu para o tipo de navegação que eu fazia nas provas de Rallye Aéreo. Uma navegação terreno-carta-terreno. E esse Amigo alertou-me para um facto muito simples e lógico:
“O terreno é sempre verdadeiro. As cartas podem não ser e, geralmente, não são!”
Desgraçadamente a TPC do vale de Cavalese não era. Porém as cartas podem não ser verdadeiras por erros do raw data, mas sim por representarem a situação geográfica no dia em que terminou o levantamento topográfico. Afinal, as cartas são um instantâneo datado. O terreno está sempre em evolução. Assim, as cartas desactualizam-se e deixam de ser verdadeiras. Isto é uma verdade muito importante para quem faz navegação à vista carta-terreno. Nunca nos podemos ficar por um único “objecto” para nos referenciarmos. A nossa localização tem de ter como referência diversos “objectos” para que estes se validem cruzadamente.
Para terminar permite-me alguns conselhos conclusivos:
- Antes do voo consulta sempre a informação da NAV AIS. É lá que encontras os avisos sobre obstáculos artificiais.
- Tenta sempre que possível não voar muito baixo.
- Nunca descoles com a tua aeronave acima do MTOW. Se o fizeres podes degradar substancialmente as performances da mesma e, depois, vês-te aflito para subir e podes não conseguir ultrapassar os obstáculos que tens à frente. Para além disso, como vais ter de levantar muito o nariz do avião, deixas de ver para a frente e não vês os tais obstáculos que podem lá estar, clandestinos ou não.
- Nunca te esqueças que o terreno é sempre verdadeiro. As cartas não. Desde a sua feitura podem ter surgido obstáculos artificiais não assinalados que podem corresponder a perigo imediato de colisão.
Estes conselhos do Fernando não são abstractos. Demonstrei-os com os casos analisados. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.Segurança Aeronáutica Nº307
Meu Caro,
Esta semana vamos abordar três temas bem diferentes. Começaremos com um tema legislativo da maior importância que, sem ser um problema europeu, pode vir a afectar igualmente os pilotos deste continente.
Depois iremos rever alguns conceitos que poderão evitar utilizar uma estação VOR/DME não operacional. Terminaremos com uma análise de medidas de segurança a aplicar na manobra de descolagem.
FAA - PILOT CERTIFICATION AND QUALIFICATION REQUIREMENTS FOR AIR CARRIER OPERATIONS
Pode-te parecer que este tema é um assunto que não interessa à generalidade da Aviação. Quando muito aos Pilotos de Linha Aérea. Nada de mais errado. A Segurança Operacional da actividade destes pilotos começa sempre na sua formação em aeronaves ligeiras. Depois sim, passa definitivamente para outro tipo de aeronaves.
Como deves estar lembrado, o acidente do voo 3407 da Colgan Air, no dia 12 de Fevereiro, nos arredores de Buffalo, no Estado de New York, causou uma enorme celeuma por diversas razões.
Um dos aspectos que mais celeuma criou foi ter sido considerado que a formação dos Pilotos de Linha Aérea apresentava lacunas graves. Lacunas evidenciadas durante o acidente.
Nos USA esta problemática subiu ao mais alto nível, ao Congresso dos Estados Unidos. Assim, dando cumprimento a uma resolução do Congresso de 2010, a FAA pôs à discussão, esta semana, uma “Notice of proposed rulemaking (NPRM)” onde são expostas as novas regras para atribuição de licenças.
Diz-nos a FAA o seguinte, no “Preâmbulo” desta NPRM:
As discussed in greater detail throughout this document, this rulemaking proposes to modify the requirements for pilots operating in part 121 air carrier operations. Additionally, it would amend the requirements for all pilots seeking to obtain an airline transport pilot (ATP) certificate with an airplane category multiengine class rating and/or type rating. The new requirements would ensure that all pilots entering an air carrier environment have a background of training and aeronautical experience that would allow them to adapt to a complex, multicrew environment in a variety of operating conditions.
Este documento é extenso, trinta e três páginas, e pode ser consultado directamente na FAA Notice of Proposed Rulemaking seguindo a hiperligação. Pessoalmente estou convencido que a legislação que sair desta NPRM fará doutrina para a maior parte dos Países, europeus inclusive.
Quanto a mim, os principais pontos da proposta da FAA são os seguintes:
a) Um candidato, para obter uma licença de ATP, terá de ter registadas 1.500 horas de voo;
b) Um candidato, para obter uma licença de ATP, terá de ser submetido a um programa de treino gradualmente cada vez mais complexo, aproximando a experiência o mais possível das condições reais que encontrará ao voar profissionalmente na linha aérea. Não mais pilotos PCA’s ou “frozen ATPL’s”, com pouco mais de 200 horas de voo em Cessna C172, a voarem aviões de grande porte cheios de passageiros.
c) Um candidato, para exercer as funções de Comandante, terá de ter 1000 horas registadas como co-piloto com a licença ATP.
d) Syllabi mais exigentes.
Como se disse, o documento é extenso e cheio de pormenores. Merece uma leitura atenta que te recomendo muito vivamente. É um elemento doutrinário de Segurança Operacional. Como já debati várias vezes nestas croniquetas, as entidades legisladoras estão no princípio da cadeia da segurança operacional. Se me é permitido um conselho, mesmo os “não americanos” deverão meditar muito a sério no conteúdo desta NPRM. Q
COMO VERIFICAR A OPERACIONALIDADE DE UMA ESTAÇÃO VOR/DME
Meu Caro, tu que sempre foste um aluno exemplar e tiveste excelentes instrutores sabes perfeitamente como é que se sabe se uma estação VOR/DME está a funcionar perfeitamente. Porém, temos de admitir que nem todos tiveram a mesma sorte que nós tivemos. Depois, lá em cima, tanto podem estar a fazer uma navegação impecável como a afastar-se completamente do caminho pretendido. E a navegação é um factor preponderante de Segurança Operacional durante uma viagem, quer em VMC, quer em IMC.
Em VMC, se a navegação for errática podes perder-te e, depois, nunca sabes se tens combustível para atingires o teu destino. Em IMC, como poderás estar a voar sem visibilidade exterior, dentro de nuvens, uma saída de rota poderá levar-te contra um obstáculo invisível.
Como estás recordado VOR é um acrónimo para VHF Omnidirectional Radio Range Navaid. Normalmente, acoplada à estação VOR está acoplada uma estação DME, um acrónimo para Distance Measuring Equipment. Actualmente, em Portugal quase todas as estações VOR têm acoplada uma estação DME. Nem sempre foi assim. Lembro-me que, quando fiz a minha formação de piloto, o VOR FTM (Fátima) não tinha DME.
Como estudámos, uma estação VOR/DME, permite fazer navegação em coordenadas polares. Uma radial fornecida pelo VOR e uma distância fornecida pelo DME.
Quando vais fazer uma viagem qual é o primeiro cuidado a teres? Eu diria que era consultar o AIP de Portugal e os Notam’s em vigor. Consultando o AIP poderás perceber quais são os ângulos e as altitudes cegas, e as distâncias alcançáveis pela estação. Poderás, ainda, ter informação sobre os períodos de manutenção em que, naturalmente, a navegação sobre a estação não é viável ou segura. Afinal cada caso é um caso. Vejamos um exemplo retirado do AIP de Portugal:
Informação sobre o VOR das Lages retirada com a devida vénia do AIP de Portugal.
Aconselho-te ainda a consultares, no site da NAV Portugal, os Preflight Information Bulletins. São utilíssimos. Vejamos um exemplo contendo informação relacionada com o DVOR/DME LIS:
Informação sobre a localização exacta das antenas da estação DVOR/DME de Lisboa retirada com a devida vénia do site da NAV Portugal (AIS).
Quando consultares os NOTAM’s tem sempre muito cuidado com as datas de validade dos mesmos. É fundamental para não haver enganos desagradáveis.
E depois de já estares a voar em rota como é que te podes certificar que a estação VOR/DME está a funcionar correctamente? Ainda te lembras. Afinal é muito simples.
O primeiro cuidado a teres é seleccionar a frequência correcta da estação. Como sabes, a frequência da estação VOR e da DME estão sempre emparelhadas e não precisas de saber as duas. Basta saber a frequência do VOR. Já ouvi muitos pilotos dizerem que, tendo este cuidado, estás seguro de estar a navegar com a estação certa. Errado! Para teres a garantia de estás a trabalhar com a estação certa tens de ouvir o código Morse identificador da estação. Não te esqueças que a estação VOR e a estação DME têm o mesmo código identificador. Contudo, há uma particularidade que te permite distinguir qual o identificador que estás a ouvir. As duas estações emitem sinais morse de tons diferentes.
Afinal, como se sabe se as estações estão a funcionar correctamente?
a) Se a estação VOR estiver a funcionar correctamente deverás ouvir, de 10 em 10 segundos, o identificador da estação com uma frequência de modulação de 1020 Hz.
b) Se a estação DME estiver a funcionar correctamente deverás ouvir, de 30 em 30 segundos, o identificador da estação modulado a 1350 Hz.
Assim, deverás ouvir um sinal mais agudo para a estação DME. Ajuda-te a saber quando estás a ouvir uma ou outra.
Se notares um intervalo na transmissão e só ouvires um único código de 30 em 30 segundos a estação DME está a funcionar correctamente. O mesmo não se passa com a estação VOR. Como sabes isto significa que não tens “radiais”. Só tens distâncias oblíquas à estação e, portanto, que deixaste de dispor de coordenadas polares da tua presente posição. Como tal, ficas com a tua navegação comprometida.
Pelo que te digo acima ficas a perceber porque é que nunca deves voar permanentemente com o volume sonoro dos sinais de identificação reduzido a zero. Ou voas com o volume suficientemente baixo para que o sinal não te perturbe ou voas com o volume a zero e de X em X tempo aumentas o volume para o ouvir. Pessoalmente acho mais segura a primeira hipótese. Se voares permanente sem ouvir o sinal arriscas-te a não te aperceberes quando as estações VOR/DME estão fora de serviço, total ou parcialmente.
Nunca te esqueças de seguires os procedimentos enunciados acima. Poderão evitar-te complicações e beliscar a Segurança. Um conselho do Fernando. Q
VOAR COMO QUEM VOA UM CAÇA
A AOPA USA tem vindo a apresentar uma série de crónicas assinadas pelo nosso companheiro Larry Brown, um piloto de F15. São estas crónicas intituladas
A experiência de quem voa aeronaves de muito alta performance aplicada a quem voa aviões. Alguns conceitos, naturalmente, não são transponíveis directamente de um universo para o outro. Larry Brown sabe disso e tem o cuidado de dar conselhos úteis para os pilotos do grupo de aviões mais ligeiros e menos potentes.
Na última crónica Brown diz-nos que, ao pilotar um F-15, nunca faz cálculos de performance de descolagem e dá uma razão. Ninguém opera F-15’s em aeródromos que não tenham uma pista com dimensões adequadas às características deste caça. Depois, mesmo só com um motor, o avião descola. Resumindo: o caça F-15 tem sempre a descolagem assegurada. Uma falácia, digo eu. O nosso companheiro Larry acaba, ele próprio, por explicar porquê com uma situação concreta vivida por ele, como veremos mais adiante.
Nós, a pilotar aviõezinhos com motores bem fracotes, debitando uma potência às vezes um bocado abaixo da potência nominal, em pistas curtitas e em certos dias de Verão quentotes, não nos podemos dar ao luxo de perfilhar a filosofia do “Sai sempre”. Naturalmente, não vais fazer cálculos de performance de descolagem ao pilotares um Cessna C150 que opera numa pista com 3000 metros de comprimento. É perder tempo e fundamentalismo. Já não é assim quando operamos nas citadas situações menos favoráveis. Pessoalmente já me vi na contingência de medir uma pista a passos para ter a noção que a performance do avião dava para sair. Como tal, in dubio… calcula a performance de descolagem para verificares se tens a mesma assegurada. Como nos diz Larry Brown, não basta ter o motor a trabalhar para concluir pelo êxito da manobra. E ele explica porquê.
Um dia ele aprendeu a lição ao descolar com um grupo de quatro F-15’s na Alemanha. Os F-15 muitas vezes descolam utilizando somente a configuração de “potência militar” (MIL). Mesmo assim, os motores debitam tanta potência que, com qualquer potência, configuração e em qualquer pista, a aeronave descola somente com um motor na configuração de afterburner (AB) partindo da velocidade zero. Na altura em que os factos se passaram a Air Force estava num processo de passagem do combustível JP-4 para o JP-8. Se as características em voo eram praticamente as mesmas já não se podia dizer o mesmo do acendimento dos afterburners, em especial durante a descolagem.
Naquele dia, durante a corrida de descolagem, os afterburners não pegaram e Larry Brown optou por descolar com a potência MIL. Entretanto já tinha percorrido 1000 pés de pista ou 12,5% da pista disponível. Porém, o piloto estava numa situação psicológica de GO e decidiu prosseguir com a descolagem.
Como resultado das manobras de reciclagem dos afterburners que foi obrigado a realizar, os FADEC’s, um acrónimo para Full Authority Digital Engine Control, colocaram as turbinas a debitar muito menos potência do que o expectável. Nesta situação o F-15 “arrastava-se” e só conseguiu descolar depois de ter percorrido 6.500 ft dos 8.000 ft da pista. A Lei de Murphy no seu melhor. "Se alguma coisa pode correr mal, com certeza que correrá".
Mas afinal qual é o conselho que Larry Brown nos deixa, a nós pilotos de aviões ligeiros? Dá-nos uma regra prática. Como primeiro ponto o piloto de F-15’s aconselha-nos a ler atentamente o POH (Pilot Operating Handbook) para determinar a distância de descolagem, para:
a) O peso actual da aeronave;
b) O vento relativo à descolagem; e
c) A altitude de densidade,
sem esquecer a experiência pessoal do piloto com a aeronave que vai pilotar.
Depois de determinar a distância de descolagem, calcular 71% da velocidade de descolagem para a poder ter como referência quando atingir metade do takeoff roll. Atingido este ponto ou se tem 71% da velocidade e a decisão deve ser o GO ou, caso contrário, a decisão deve ser por um NO GO.
Não te esqueças de que:
a) Pelo facto de teres o motor em funcionamento nada te garante que tens a descolagem assegurada;
b) A Lei de Murphy está sempre presente.
Dois conselhos do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ Como sempre, um abração do Fernando Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.
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