Cronicas de Segurança Aeronáutica
Segurança Aeronautica nº378
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Na última crónica abordámos, pela última vez, o tema da problemática dos erros dos medidores de combustível das aeronaves. Relatámos um incidente grave ocorrido com um Lockheed 1011 Tristar 500 da TAP, um incidente cujo relatório dava um excelente guião para um filme de terror e suspense. A propósito deste incidente um dos meus Caros, que foi tripulante técnico destes aviões, relatou-me como tudo terminou: o Comandante do voo mandou servir champagne a toda a tripulação. Depois dos factos ocorridos eu, pessoalmente, mandaria servir Don Pérignon do melhor, nota bem!
Depois dos “Amendments” enviados pela NAV e recebidos ontem mesmo, vou propor-te a reanálise dos procedimentos de descidas prolongadas em aviões equipados com motor arrefecido a ar. Porém antes deste último tema tomarás conhecimento de uma decisão tomada pela FAA que interessa aos passageiros dos voos em companhias americanas. A FAA autoriza a utilização generalizada de equipamentos electrónicos a bordo dos aviões e em todas as fases do voo
Terminarei a croniqueta de hoje dando notícia de um caso em que um Director de Manutenção se permitiu alterar os documentos técnicos da aeronave – um helicóptero Sikorsky S-61N – para desse facto retirar vantagens para a companhia. O acidente deu-se logo à descolagem com um número elevado de mortes. Não foi acidente nem falha humana. Foi pura e simplesmente crime.
Terminarei com uma boa notícia que chegou ao meu conhecimento: o Instituto Português do Mar e Atmosfera irá disponibilizar muito brevemente uma nova versão do seu sistema de S,elfbriefing de informação meteorológica certificada segundo o Anexo 3 da ICAO.
New AIRAC AIP Amendment can be found for viewing and/or download in the EAD PAMS and at the following link
AMDT AIRAC 006-13 (WEF14NOV2013)
AMDT AIRAC 007-13 (WEF12DEC2013)
Trata-se de dois documentos bastante extensos versando matéria operacional importante. Para teres acesso directo a eles basta colocares o cursor no título de cada um, carregando simultaneamente nas teclas “Ctrl” e “Enter”. Serás direccionado automaticamente para estes dois “Amendments” que a NAV Portugal divulgou ontem. Q
A FAA AUTORIZA A UTILIZAÇÃO GENERALIZADA DE EQUIPAMENTOS ELECTRÓNICOS DE USO PESSOAL ABORDO
O Administrador da Federal Aviation Administration - Michael Huerta – anunciou ontem que a Agência vai permitir a utilização generalizada de equipamentos electrónicos de uso pessoal.
Por seu lado, o Secretário dos Transportes (Ministro Federal dos Transportes dos USA) – Anthony Foxx – afirmou que a “decisão agora tomada honra quer o nosso compromisso com a Segurança Operacional, quer o aumento do desejo dos utilizadores de fazerem utilização generalizada de equipamentos electrónicos em todas as fases do voo”.
Para conhecer o texto completo do texto do comunicado da FAA basta seguir a hiperligação.
Segurança e conforto de mãos dadas. Q
A PROBLEMÁTICA DAS DESCIDAS PROLONGADAS EM IDLE
A semana passada demos notícia de um acidente dado a conhecer à comunidade de Aviadores pelo GPIAA News.
Na notícia referia-se o seguinte:
“Após uma hora de voo e após algumas manobras básicas de acrobacia em altitude, o piloto iniciou uma descida pouco pronunciada, em baixa velocidade e com o motor com potência reduzida (idle), nivelando cerca dos 1000’. Quando avançou a manete de potência verificou que o motor estava sem qualquer potência disponível.”
Não vou comentar o acidente. Espero pelo Relatório Final. Comentá-lo neste momento era falar de uma coisa que não conheço. Porém, este pequeno texto que reproduzo trouxe-me a lembrança de algumas coisas que aprendi e que são úteis de relembrar por qualquer piloto.
Sistema de arrefecimento de um motor arrefecido a ar. Esquema retirado do Pilot's Handbook of Aeronautical Knowledge da FAA
Num motor de arrefecimento por ar, a evacuação do calor produzido por aquele faz-se através da passagem do ar frio exterior pelas lâminas que fazem parte do exterior dos cilindros. O ar frio entra pela frente do capot e sai, normalmente, por uma fenda existente na parte inferior na traseira daquele mesmo capot. Em alguns aviões existe uma regulação da abertura da fenda de saída de modo a poder controlar a circulação do fluxo de ar. Desta maneira pode ter-se algum controlo da regulação da temperatura do motor.
O sistema de arrefecimento é concebido de modo a que, mesmo à potência máxima, o ar que circula através das alhetas do motor consiga manter o motor à temperatura ideal de funcionamento.
Suponhamos agora que realizamos uma descida muito longa a baixa velocidade e motor em “idle”. Numa situação destas o motor vai produzir pouco calor. Porém, a passagem do ar frio através das alhetas das cabeças dos cilindros mantém-se praticamente com o mesmo caudal e temperatura. Como tal vai arrefecer demasiado, o motor baixando-lhe substancialmente a temperatura. Se a descida é muito prolongada o motor pode sair dos seus limites de temperatura de funcionamento, correndo-se o risco de parar quando se pertender remeter novamente potência. Este facto corresponde a um risco eventualmente perigoso. Aprendi que para evitar situações destas ou fazia-se a descida com um pouco de motor metido – pode ter o inconveniente de aumentar a velocidade – ou, então, de minuto a minuto dava-se uma pequena “motorada” para evitar o arrefecimento excessivo do motor. Deste modo não seremos surpreendidos no fim da descida, quando quisermos retomar a potência de cruzeiro, com um motor parado mas “windmilling”.
Uma técnica simples mas que pode evitar alguns sustos. Não te esqueças de a utilizar. Um conselho do Fernando. Q
FALSIFICAÇÃO CRIMINOSA DE DOCUMENTAÇÃO DE VOO
A falsificação dos documentos de uma aeronave é por si só crime mas, quando essa falsificação passa pela alteração das características da aeronave deverá ser considerado um crime com dolo merecedor de severo castigo. Afinal, a Segurança Operacional é posta em risco com todas as consequências que daí podem resultar.
Para ilustrar o ponto vou servir-me de uma situação ocorrida nos USA no já passado ano de 2008. O director de manutenção de uma firma de prestação de serviços com helicópteros falsificou a documentação pertencente a um helicóptero Sikorsky S-61N pertencente e operado por essa firma. Trata-se de uma aeronave com o “Maximum Take-off Weight” de 19,000 lb (8,620 kg) e um alcance de 450 NM (833 km).
Helicóptero Sikorsky S-61N da empresa Carson.
Na base do acidente de 2008 esteve uma operação de carregamento incorrecta realizada com base em documentação de “Peso & Centragem” e de “Performance de Descolagem” falseadas pelo Director de Manutenção da empresa proprietária do helicóptero. Do acidente resultaram várias mortes de funcionários do United States Forest Service (USFS) durante um serviço de ataque a fogos contratado com a proprietária do helicóptero.
A investigação do NTSB determinou que a Carson (proprietária e operadora do helicóptero) tinha apresentado documentação falsificada e/ou alterada relativa às cartas de performance de descolagem aprovadas para a aeronave bem como as cartas de “Peso & Centragem” da mesma aos Serviços Florestais Americanos, como parte da sua proposta de pacote de serviços. Como sabes os helicópteros são muito sensíveis a estas variáveis. Pilotar com base em documentos falsificados é meio caminho para o acidente. Foi o que aconteceu aos pilotos da Carson que, baseados em dados errados, fizeram cálculos de voo que só poderiam levar à catástrofe.
Dadas as performances “apresentadas” pela aeronave o USFS adjudicou um contrato de “firefighting” no valor de USD 20 milhões com a Carson. No dia em que escrevo este tema lembro-me de ter ouvido no Telejornal qualquer coisa parecida que teria ocorrido este ano cá em Portugal e que deu direito a pesadas multas… Não ouvi falar de falsificação de documentos técnicos pelo que provavelmente, no nosso País, só estamos perante um crime no âmbito do Direito Civil
Como nota final podemos referir que o acidente ocorreu no dia 5 de Agosto de 2008 e a aeronave se despenhou à descolagem tendo falecido 9 ocupantes e escapado 4 do helicóptero, entre eles, o co-piloto. Só no Relatório Final de Acidente, publicado pelo NTSB, em Janeiro de 2010, se dava conta que na base do acidente estava a falsificação de documentos técnicos da aeronave.
Estado final do helicóptero após o acidente.
Costumo terminar cada tema com um conselho. Neste caso o meu conselho dirigir-se-ia especificamente aos juízes que fizerem o julgamento: pena máxima para o prevaricador confesso. Não se pode aviltar a Segurança Operacional desta maneira. Q
NOVA VERSÃO DO SISTEMA DE SELFBRIEFING METEOROLÓGICO DO IPMA
Acabei de receber a informação de que o Instituto Português do Mar e Atmosfera irá disponibilizar muito brevemente uma nova versão do seu sistema de selfbriefing de informação meteorológica certificada segundo o Anexo 3 da ICAO. A sua exploração operacional está prevista arrancar a partir do dia 4 de Novembro pelas 1200 UTC. Ficamos ansiosos por poder explorar esta nova versão. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº377
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Começo com uma boa notícia: o número de acidentes com aviões da classe “Experimenatl” diminuiu.
Seguidamente passarei à análise de um caso de estudo ou da atitude de um instrutor não digno dessa função.
Para terminar, mais um exemplo da má gestão do combustível disponível a bordo da aeronave.
AUMENTO DA SEGURANÇA EM AVIÕES “EXPERIMENTAIS”
A EAA – Experimental Aircraft Association anunciou que houve uma diminuição de 25% em relação a 2012 nos acidentes ocorridos durante o ano fiscal de 2013. A EAA mostrou-se cautelosamente optimista em relação a este número que certamente reflecte muitas das iniciativas no foro da Prevenção por parte da Associação.
Aquela Associação espera que, encorajando todos aqueles que compram aeronaves E-AB (Experimental Amateur-Built) a receberem uma melhor formação e a absorverem toda a informação disponível sobre o seu avião, possa aumentar substancialmente a Segurança Operacional daquela classe de aeronaves.
Um conselho e uma boa notícia. A Prevenção, afinal, é um dos meios mais baratos e eficientes de aumentar a Segurança Operacional. Q
UM ACIDENTE DE INSTRUÇÃO QUE SE TORNOU NUM CASO DE ESTUDO (Parte – VI)
Prosseguindo a análise do acidente com o Piper PA-28R-200 Arrow que nos vem ocupando a atenção há já algumas semanas, pudemos concluir que a aeronave colapsou estruturalmente, em voo, antes do embate final no terreno. Um acidente do qual resultaram três vítimas mortais.
Dado que a peritagem demonstrou que a aeronave não apresentava defeitos antes do voo, restava a possibilidade de os pilotos – em especial do instrutor, que era o responsável como piloto-comandante – terem realizado manobras que excederam bastante os limites estruturais fixados pelo fabricante. Note-se que as condições meteorológicas eram perfeitas para um voo VFR e nada poderia fazer supor que os esforços fossem resultantes de condições aerológicas muito desfavoráveis. Assim, os investigadores passaram à última peça do puzzle: os pilotos, para uma avaliação dos factores humanos.
Avaliação dos Pilotos
O Investigador-em-chefe que conduziu as averiguações sobre o acidente achou por bem realizar uma série de entrevistas junto dos responsáveis da escola de pilotagem à qual pertencia o avião acidentado com o intuito de avaliar os pilotos, em especial, o piloto-instrutor.
A Instrutora-Chefe da escola referiu que havia voado com o instrutor falecido no acidente e que este lhe pareceu perfeitamente seguro em termos de capacidade de pilotagem. Contudo, referiu ainda que aquele, ocasionalmente, executava spins com os seus alunos, apesar de ela achar a execução de tal manobra absolutamente desnecessária para o nível de treino a que os alunos estavam a ser submetidos. Se me for permitido um comentário eu direi: “ – No mínimo estranho”. Salvo melhor opinião, a formação deve ser bem escalonada aumentando-se gradualmente o grau de dificuldade das manobras. Começar o treino de um piloto por manobras acrobáticas ou semi-acrobáticas pode criar diversos factores negativos para a aprendizagem e, como tal, prejudiciais ao correcto desenvolvimento da instrução.
O aluno que voava na condição de passageiro no momento do acidente era aluno da própria Instrutora-Chefe. Como a língua de origem deste não era o inglês, e isso era um forte handicap para as comunicações aeronáuticas, por sugestão da Instrutora ele acompanhava a missão de treino no sentido de melhor se familiarizar com as citadas comunicações. O chamado “training on job”. Como tal este aluno-piloto, que viajava no banco de trás, não tinha qualquer intervenção na condução da aeronave.
Antes do voo no qual ocorreu o acidente, a Instrutora-Chefe e o Instrutor com quem ocorreu o acidente haviam almoçado juntos. Durante a refeição a Instrutora-Chefe pediu ao instrutor do voo de instrução para "not do any funny stuff" ou, por outras palavras, que não se pusesse a fazer “bonitos” para impressionar as restantes pessoas a bordo. Afinal ela não queria que ele ganhasse maus hábitos de ensino. Testemunhou a Instrutora-Chefe que tinha chegado ao conhecimento dela, antes do acidente ocorrer, que o instrutor acidentado havia realizado um “Tonneau barrilado” num dos aviões da escola.
Se fosse o Bob Hoover a realizar esta manobra com o Piper Arrow nada aconteceria pois, muito provavelmente, o avião não teria sido sujeito a esforços para além dos normais. Sendo um “futrica”, mesmo que possuidor duma licença de instrutor, o Tonneau barrilado” poderá já não ser uma manobra apropriada a tal tipo de aeronave.
De acordo com a opinião de um segundo instrutor da escola, o instrutor acidentado era sem dúvida o melhor piloto com quem ele tinha voado. Isto apesar do instrutor acidentado lhe ter confessado que tinha realizado uma série de “snap rolls” em diversos aviões da escola. Este segundo instrutor não pode deixar de lhe manifestar o seu total desagrado por ele realizar “snap rolls” (Um “snap roll” é uma rotação de 360º realizada a grande velocidade segundo o eixo de yaw do avião, o eixo perpendicular ao plano das asas). Este segundo instrutor garantiu que nunca mais ouviu que o instrutor acidentado continuasse a praticar acrobacia com aviões normais de instrução. Desta forma assumiu que a execução destas manobras acrobáticas tivesse cessado.
Quando o Investigador-em-chefe pediu ao segundo instrutor para descrever como é que estas manobras eram realizadas, este deu a seguinte resposta: o nariz do avião era baixado, picando, até atingir os 140 Kts. Atingida esta, o piloto puxava o nariz até aos 10/15 graus acima do horizonte. Depois disto, o piloto aplicava leme vertical à esquerda e aileron.
O segundo instrutor relatou mais tarde que o voo com o qual se deu o acidente se destinava a registar horas de voo por parte do piloto aluno possuidor de uma licença de voo emitida por uma entidade estrangeira. Informou, ainda, que não havia qualquer outro tipo de treino específico, previsto para aquele voo.
De acordo com um aluno da escola, em fase inicial de instrução, o instrutor acidentado havia-lhe feito uma demonstração de “barrel roll” e “spins” num Cessna 172SP, uma ou duas vezes. O aluno explicou que o instrutor, para fazer o “roll” picava a aeronave até esta atingir os 140 kts. Atingido este ponto o instrutor levantava o nariz e, então, iniciava a volta. O aluno informou, ainda, que o “roll” era feito de uma maneira suave e não violenta. Para além disto, o aluno testemunhou que o instrutor vítima do acidente era muito bom piloto.
O Investigador-em-chefe recebeu um e-mail, datado de 7 de Novembro de 2007 (o acidente haveria de se dar no dia 15 desse mês), que o aluno que voava no banco traseiro em missão de aperfeiçoamento das comunicações havia enviado a amigos em Itália. Deste e-mail ressaltavam as seguintes duas partes:
“ Contudo, …ontem, voei como passageiro com um instrutor megalomaníaco… Eu durante o voo ia ouvindo as comunicações rádio e estas eram surpreendentemente incríveis… Infelizmente, havia dois controladores, um dos quais parecia que estava a morrer quando falava no rádio. O outro falava em código…”
“Falando do instrutor megalomaníaco, ontem durante o voo ele assumiu o comando do avião e, sem qualquer pré-aviso, fez duas “spin turns”. Senti-me como se estivesse a ser atirado para fora do avião visto eu não ter o cinto apertado (Nota: Sempre que voares coloca o teu cinto e mantém-no sempre apertado. Só assim poderás evitar acidentes graves em caso de movimentos bruscos da aeronave, movimentos quantas vezes imprevisíveis!) porque não estava previsto fazermos manobras acrobáticas. Porém, foi divertidíssimo…”
“... ontem, com o instrutor MEGALOMANÍACO voltei a voar como passageiro para ouvir as comunicações que são qualquer coisa de alucinante. Infelizmente há dois controladores de tráfego aéreo dos quais um, quando fala, parece que está a morrer e o outro fala em código…”. O rapaz estava deveras impressionado com as comunicações americanas!”
“Bem... falava-te acerca do megalomaníaco…ontem, quando voávamos direito e a nível, ele tomou os comandos e enrolou dois parafusos… sem qualquer aviso prévio. Quase saí pelo avião fora visto não levar o cinto apertado por não estar previstos irmos fazer acrobacia… Porém,,, diverti-me imenso…”
Uma auditoria aos registos da escola revelou que o instrutor acidentado tinha dado, no dia 7 de Novembro, 1.1 horas de instrução ao aluno passageiro, que voava no banco de trás. Contudo, os investigadores não foram capazes de, com total certeza, determinar qual era o instrutor referido no e-mail.
E os indícios, senhores? O que é que vos diziam?
Meu Caro, deves ter percebido agora porque é que o Piper PA-28R-200 Arrow se desfez no ar. Os gráficos da crónica Nº373 também ajudam.
Prosseguiremos a análise do tema na próxima semana. Ele não se fica pela acrobacia de um megalomaníaco.Q
ACIDENTE COM A GESTÃO DE COMBUSTÍVEL
A deficiente gestão do combustível num avião infelizmente continua a provocar acidentes, alguns deles com mortes. O gráfico seguinte, retirado do último Relatório Nall disponível elucida bem a situação.
Evolução de acidentes no universo da Aviação Geral devido a má gestão de combustível.
Façamos uma leitura atenta deste gráfico onde se demonstra a evolução de acidentes devido a má gestão de combustível. A área cinzenta representa os acidentes sem a ocorrência de fatalidades. Ao invés a área laranja representa o número de acidentes em que ocorreram mortes.
Em relação aos acidentes sem fatalidades verifica-se uma diminuição constante substancial desde 2001 até 2008. Neste período houve um declínio de 50% do número de acidentes o que corresponde a uma interessante melhoria da Segurança Operacional da Aviação Geral. A partir de 2008, estranhamente, em relação a uma evolução tendencial, o número de acidentes por ano volta a aumentar.
Infelizmente, se analisarmos o número de acidentes em que houve mortes, verifica-se que não há uma variação muito significativa de 2001 até à actualidade. Este facto corresponde a uma estagnação da Segurança. Exceptua-se o ano de 2003, ano no qual estes acidentes aumentaram quase 100% em relação à média.
Para que retirem efectivamente ilações dos dados sobre a problemática dos acidentes derivados da falta de combustível temos de fazer uma segunda análise para nos apercebermos do que está por detrás destes acidentes. Mais uma vez vou recorrer à última edição do Relatório Nall.
Tipos de acidentes derivados da deficiente gestão do combustível. Fonte: Relatório Nall.
Durante o período compreendido entre 2001 e 2010 verifica-se que a principal causa para os acidentes relacionados com o combustível corresponde ao “deficiente planeamento de voo”. Quase ao mesmo nível do número de acidentes encontra-se a “deficiente operação do sistema de combustível”. Com um número residual está a terceira causa: a “Contaminação do Combustível”.
Para ilustrar como estes acidentes podem ocorrer vou-me socorrer do Aviation Safety Reporting System da NASA, um sistema de reporte voluntário de acidentes ou incidentes.
Vejamos um dos casos relatados na publicação CALLBACK da NASA, deste mês de Outubro, publicação esta dedicada à problemática do combustível e onde se relatam, de uma maneira sucinta, diversos acidentes ou incidentes.
Ao artigo que eu escolhi, o piloto participante deu o título “I Flared and Landed in Rows of Soybeans” ou, em Português, “Como planei e aterrei entre filas de soja”
Um piloto que conduzia operações de lançamento de pára-quedistas num bimotor ligeiro aprendeu que uma inspecção visual duvidosa dos tanques de combustível poderá não ser a melhor maneira de confirmar que a leitura dos indicadores de combustível podem resultar numa aterragem não planeada num local errado.
Lição: Actua sempre para o lado da precaução. No tocante à gestão do combustível os erros devem ser sempre cometidos para o lado da segurança.
O incidente ocorreu durante operação de lançamento de pára-quedistas. O voo decorria em condições VFR, dentro de uma zona situada num círculo de 4 milhas em torno do aeródromo. A altitude de voo não tinha nada de anormal e todos os pára-quedistas foram lançados a uma altitude de 13.000 ft. Ao efectuar a descida, o piloto verificou estarem a acontecer flutuações na potência produzida pelo motor direito. Passados alguns momentos, a potência do motor voltou ao normal e o piloto contactou a base de modo a terem um mecânico disponível assim que o avião aterrasse.
O piloto voltou para a uma “final” de quatro milhas, trem de aterragem descido e bloqueado, mas com os flaps posicionados ainda em cima. Nesse momento, o piloto verificou que a luz de aviso “FUEL PUMP” do motor direito havia acendido. Alguns momentos mais tarde o piloto sentiu uma desaceleração brusca começando, de seguida, a diminuir a velocidade. O piloto empurrou os dois throttles para a frente de modo a compensar a perda de velocidade. Nesse momento a aeronave começou a inclinar-se para a direita, apesar de o efeito ser contrabalançado através da manobra dos comandos. Perante esta reacção o piloto apercebeu-se que o motor direito tinha deixado de produzir energia.
Nesse momento a aeronave estava já bastante curta em relação à pista e acerca de 500 ft AGL (ou menos) com a velocidade de translação descendo para cerca de 80 kts. Perante os factos, o piloto imediatamente posicionou os throttles na posição de “idle”. Esta acção teve a virtude de parar a volta descontrolada pela direita. Parada a volta o piloto pôde empurrar ligeiramente o nariz da aeronave para baixo de modo a manter a velocidade (na altura cerca de 80 kts). Alguns segundos a seguir o piloto conseguiu livrar algumas árvores e encaminhar-se para um campo de soja. Passadas as árvores, o piloto baixou os flaps e aterrou entre filas de soja. A rolagem foi espantosamente suave. Ainda durante a rolagem, o piloto pôs os dois motores em bandeira, colocando os throttles na posição de “idle/cut off”.
Por precaução o piloto desligou todos os sistemas e fez uma inspecção para verificar se o avião havia sofrido avarias. Grave foi o facto de o piloto ter verificado que cada depósito de combustível só tinha vestígios de gasolina.
Nas inspecções ante voo o piloto participante foi avisado pelo piloto que tinha voado no dia anterior, que haviam sido gastos 40 galões de combustível dos tanques plenos das nacelles, os quais dispunham de 120 galões de “total usable fuel”. O piloto participante informou que os tanques estavam meio-cheios, apesar de ser muito difícil averiguar com toda a certeza este número. Os indicadores de combustível do cockpit indicavam que os depósitos estavam cerca de ¾ cheios em ambos os lados. Depois de ter aterrado no campo de soja, o piloto participante voltou ao cockpit para verificar os indicadores de combustível. Estes indicavam, ainda, ¼ cheios.
Depois de uma retrospectiva sobre a quantidade de combustível a bordo antes do voo, o piloto pôde concluir que esses esforços tinham sido inadequados e, como resultado, os motores ficaram sem combustível o que acabou por provocar, a baixa altitude, um “roll” que poderia ter acabado muito mal. Sem saber o motivo da discrepância entre a informação dos indicadores de combustível e a quantidade deste, realmente a bordo, parece que o piloto terá uma dúvida para o resto da vida..
Por isso meu Caro nunca dês muita confiança aos indicadores de combustível. Utiliza, antes, o “deep steak” pois esse nunca falha e, em caso de dúvida, joga sempre pelo seguro: atesta os depósitos. Um conselho do Fernando.Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº374
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Começamos com uma constatação: o não funcionamento do GPIAA, esse Instituto que nos vinha habituando a que recebêssemos a informação preliminar sobre acidentes poucos dias depois da ocorrência. Agora, para sabermos a ocorrência de um acidente aeronáutico, temos de ver a televisão e as peças jornalísticas que as acompanham, quantas vezes completamente fora da realidade técnica.
Esta constatação foi despoletada pelo acidente do António Ideias, um acidente de asa delta que o atirou para uma cama de hospital em estado grave. Pensavas que o Ideias tinha tido um acidente com o Extra 300 de acrobacia? Enganaste-te. Foi com uma simples asa delta quando se preparava para aterrar em Santarém!
Depois passarei a dois artigos de “faits divers”: o Estado Indonésio pôs uma série de funcionários públicos a tirarem a licença de PPA e a habitual secção onde se aprende Segurança Operacional com um sorriso nos lábios.
Como artigos mais extensos teremos a análise de um acidente com um Piper PA-28R-200 em instrução e uma lembrança do perigo que representam as linhas de transporte de energia eléctrica para aqueles que resolvem voar muito baixo.
Espero que os assuntos abordados te agradem e aumentem o teu airmanship. Q
A SEGURANÇA NUNCA É ATINGIDA A 100% OU UM ACIDENTE COM UM ACROBATA
Habituei-me a ver o companheiro António Ideias espantar-me com a perfeição da sua acrobacia num Extra 300. Verdadeira acrobacia a sério e não a prática do chamado “enrolamento de chouriços”. Um homem que lutava pela obtenção do máximo da perfeição possível com a sua máquina.
Infelizmente a chamada “crise” não lhe permitiu prosseguir com a sua carreira de desportista da Acrobacia Aeronáutica. Afinal, os custos tornaram-se insuportáveis e a modalidade implica muito treino, quer para se praticar com Segurança, quer para se obter a perfeição.
A semana passada fui surpreendido com a notícia de que o Ideias jazia, em coma, numa cama de hospital depois de ter tido um acidente com uma asa delta. Sim, uma asa delta! E na aterragem.
Fotografia do António Ideias voando na asa delta. Reproduzida com a devida vénia a Luís Cotilla.
Peço a todos os meus Caros que acreditam, uma oração para que a vida do António deixe de estar em perigo e para que o seu restabelecimento seja o mais rápido possível.
Se quiseres saber mais sobre o acidente já não tens os prontos relatórios do GPIAA. Terás de procurar um vídeo noticioso no seguinte site:
Ferido grave em queda de asa delta era ex-piloto de caças no MSN ...
A Segurança a 100% não existe. A nós compete maximizá-la dentro do limite das nossas possibilidades. Nunca te esqueças de o fazer. Q
UMA NOTÍCIA AERONÁUTICA CURIOSA
Na passada quarta-feira, 25 de Setembro, o Financial Times publicava a seguinte notícia:
Indonesia trains civil servants to fly
Indonesia has one of the fastest-growing aviation industries in the world. To combat an expected pilot shortage, the Indonesian transportation ministry launched a free, 14-month accelerated program to train civil servants as pilots. In exchange for their training, pilots will serve five years as government flight instructors.
Já estou a ver o Governo Português a enviar funcionários públicos, do quadro de mobilidade, tirar o brevet, para depois os exportar para a Alemanha como faz, por exemplo, com os Engenheiros…Q
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XXXIV)
Ter uma grande idéia é uma coisa. Executá-la é outra totalmente diferente.
UM ACIDENTE DE INSTRUÇÃO QUE SE TORNOU NUM CASO DE ESTUDO (Parte – III)
Nas croniquetas anteriores temos vindo a analisar um acidente com um Piper PA-28R-200 durante uma missão de instrução. Vimos diversos “snapshots” de radar através dos quais se pode inferir que a aeronave realizou diversas manobras, com fortes e rápidas variações de altitude que, certamente, tiveram associadas acelerações violentas e geradoras de esforços elevados sobre a estrutura daquela.
Que missão tinha atribuída a tripulação? Um simples voo VFR de 132 nm entre Arlington Municipal Airport (GKY), Arlington, Texas, com partida às 1348, e o aeródromo de Abilene Regional Airport (ABI) near Abilene, Texas.
Como disse atrás, o voo foi realizado em VFR. Mas quais eram efectivamente as condições meteorológicas? Às 14,53 uma estação meteorológica automática situada em Mineral Wells, Texas, a cerca de 34 milhas a nordeste do local do acidente, reportava ventos de 350 com 8 kts de intensidade, uma visibilidade de 10 Statute miles, céu limpo, uma temperatura de 16º C e um QNH de 1029 hP. Por estes dados podes perceber que estava um tempo perfeito para um voo de instrução VFR. Um tempo que não faria supor qualquer turbulência que sujeitasse o avião a acelerações demasiado violentas. Contudo foi isso aconteceu, e não foi certamente devido às condições meteorológicas.
Então porque é que o avião sofreu rupturas estruturais antes do embate final com o solo? A questão que se coloca de imediato vira-se logo para o estado de manutenção da aeronave.
Comecemos, então, por caracterizar a aeronave. O Piper PA-28R-200, serial number 28R-7335213 era um modelo de 1973, asa baixa, trem retráctil, fuselagem de estrutura semi-monocoque configurada para 4 ocupantes.
A aeronave estava equipada com um motor arrefecido a ar, com quatro cilindros horizontais e opostos, com injecção de combustível mas normalmente aspirado. Um Lycoming IO-360-C1C que ostentava o número de série L-10313-51A. Este motor debita 200 hp às 2.700 rpm quando equipado com um hélice de velocidade constante Hartzell.
De acordo com o Type Certificate Data Sheet (TSDS) do avião, a velocidade máxima de manobra deste é de 116 KCAS e a velocidade estrutural máxima de cruzeiro é de 148 KCAS.
Ainda de acordo com o “logbook” da aeronave, a última inspecção anual tinha sido realizada em 01 de Outubro de 2007 (nota que o acidente ocorreu em 15 de Novembro de 2007 ou seja 45 dias depois). O tempo total de voo da aeronave à altura do acidente era 7.260 horas.
No tocante ao motor este tinha aproximadamente 2 245 horas de funcionamento após a última grande revisão.
Pelo que acabo de descrever não me parece que algo de especial pudesse fazer supor uma possibilidade de ruptura estrutural em voo do N55307.
O Piper PA-28R-200 acidentado. Fotografia de Zane Adams reproduzida com a devida vénia.
Se é pouco provável que a máquina tenha falhado, então há que procurar as razões do acidente no piloto ou pilotos da aeronave. É isso que faremos na nossa próxima croniqueta. Até lá coíbe-te de imitar o grande Bob Hoover. Um conselho do Fernando. Q
ATENÇÃO ÀS LINHAS DE ELECTRICIDADE. ELAS PODEM MATAR! (Parte – I)
Já em tempos abordei este tema nas minhas croniquetas como resultado de alguns acidentes que se deram neste rectângulo à beira mar plantado. Porém, é um tema recorrente para o qual nunca faz mal chamar a atenção dos pilotos. Nada como o exemplo prático de um acidente real para ilustrarmos o tema.
As linhas de transporte de energia eléctrica tanto podem ser grandes estruturas como pequenas estruturas de suporte de arames mais ou menos finos. No entanto, nas cartas de navegação, salvo certas excepções, as linhas de transporte de energia são simples traços. Porém quando se faz navegação “carta-terreno” muitas vezes torna-se muito difícil distinguir as linhas do resto da paisagem. Lembro que um dia, quando treinava Rallye Aéreo tinha de localizar o cruzamento de uma linha de transporte de energia com uma linha de água. Um ponto de controlo para os lados de Porto de Mós. A linha de água detectei-a. Porém, a linha de alta tensão não havia maneira de aparecer. Estava camuflada entre árvores pelo que só quando passei à vertical consegui vê-la. Posição correcta, colocando de acordo a carta e o terreno. Como sempre respeitávamos os mínimos de altura de voo, a dita linha não nos colocou em perigo de maior.
Agora imagina que estávamos a fazer uma “rapada” ou uma aterragem em pista não certificada. Numa situação destas poderia acontecer-nos uma atracagem “estilo aterragem em porta-aviões” por ficarmos presos a uma qualquer linha de transporte de energia
Carrier landing
Esta semana iremos começar a analisar mais um acidente, provocado pelo facto da aeronave ter agarrado uma linha eléctrica. Um acidente ocorrido na República da Irlanda analisado pelo Air Accident Investigation Unit – Ireland, através do AAIU Report No: 2013-012. A aeronave acidentada era um ultraligeiro IKARUS C42 FB semelhante ao da imagem seguinte:
IKARUS C42 FB
Deste acidente resultaram estragos no trem do lado esquerdo da aeronave e na linha de transporte de energia.
Vejamos a sinopse do acidente. Ao realizar uma aproximação a uma pista relvada de agricultura, a aeronave estabeleceu contacto e cortou duas linhas de 20 kV. O piloto realizou um “go-around” tendo, seguidamente regressado à pista onde pretendia aterrar. Após a aterragem, durante a rolagem, a estrutura do trem esquerdo colapsou. Deste acidente não resultaram feridos.
Na próxima croniqueta prosseguiremos a análise deste acidente. Até lá não te “treines” para seres piloto aero naval. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº373
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Vou começar a croniqueta desta semana glosando com um episódio que nos ensina que para se ter Segurança Operacional é sempre necessário utilizar os equipamentos especializados para a manutenção. Se esta regra não for respeitada podemos ter asneira e da grossa. Não acreditas? Basta ver as imagens.
Depois passaremos à continuação da análise de um acidente ocorrido durante uma missão de instrução com um Piper PA-28R-200 Cherokee Arrow. Um acidente que terminou com um avião desfeito em voo e com a perda de três vidas. Tudo porque um instrutor júnior não teve o bom senso de se remeter exclusivamente às manobras programadas.
Terminarei com a revista de uma Notice of Proposed Rulemaking (NPRM) proposto pela FAA. Uma proposta baseada num avanço tecnológico na área dos “Sistemas de Visão Frontal Melhorada” (EFVS).
Espero que estes temas te interessem. Penso que sim.
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XXXIII)
Utiliza sempre o material adequado às operações de manutenção! Macacos para asas de B737 não se devem utilizar em caudas de MD-80… Podem entrar todos pela cauda dentro!
UM ACIDENTE DE INSTRUÇÃO QUE SE TORNOU NUM CASO DE ESTUDO (Parte – II)
A semana passada começámos a análise de um acidente ocorrido durante um voo de instrução com um Piper PA-28R-200 Cherokee Arrow. Este voo, do qual resultaram três mortes, teve algo de bizarro: a aeronave fracturou a sua estrutura em voo apesar das condições meteorológicas serem favoráveis a um voo durante o qual não seriam expectáveis esforços anormais na aeronave.
Tivemos a oportunidade de verificar ainda que, isso sim, a aeronave tinha sido sujeita a cinco manobras violentas das quais se analisou o perfil radar da primeira.
2ª Manobra
Esta “manobra” começou quando o avião picou desde os 11.500 ft, descendo até aos 10.500 ft (MSL). Seguidamente subiu até aos 10.850 ft (MSL), nivelou momentaneamente para, depois continuar a subir até aos 11.000 ft (MSL).
Na imagem seguinte podem ver-se os retornos do Modo C do radar secundário
Variações relativas de altitude recebidas pelo modo C (1200) do radar secundário do ATC.
3ª Manobra
Durante a terceira “manobra” a aeronave voltou a mergulhar dos 11.000 ft (MSL) descendo até cerca dos 9.950 ft (MSL). Após esta picada iniciou uma subida até aos 10.250 ft (MSL) antes de entrar em voo nivelado.
4ª Manobra
Durante a quarta “manobra” o avião subiu até aos 11.400 ft (MSL) tendo, seguidamente, iniciado nova picada até aos 11.100 ft (MSL) antes de iniciar uma “puxada” até aos 13.000 ft (MSL), tendo nivelado a essa altitude.
5ª Manobra
Ao iniciar esta “manobra” o Cherokee “trepou” até aos 11.800 ft (MSL) tendo metido o nariz em baixo para mais uma picada. Neste mergulho a velocidade de ar excedeu os 134 KCAS, antes de começar a diminuir. Nesta altura a aeronave desapareceu do radar.
Vejamos, agora, o perfil vertical complete das cinco manobras:
Perfil vertical do voo do Piper PA-28R-200 Cherokee Arrow.
Como podemos ver através deste gráfico, a aeronave foi sujeita a uma sucessão de manobras que submeteram a estrutura a acelerações muito violentas. Será que houve alguém que pensou que se chamava Bob Hoover. Nas próximas croniquetas veremos o que provocou o acidente. Até lá coíbe-te de fazer manobras muito bruscas que possam ultrapassar a resistência máxima da aeronave prevista no seu Certificado de Aeronavegabilidade. Um conselho do Fernando. Q
ENHANCED FORWARD VISION SYSTEMS (EFVS)
A FAA publicou uma Notice of Proposed Rulemaking (NPRM) que pode vir a autorizar que certos pilotos possam continuar a descer abaixo dos 100 m acima da elevação do ponto de aterragem (TZE) mesmo que não estejam a ver a pista e o seu meio envolvente. Como é do teu conhecimento, de um modo geral, os pilotos são obrigados a abortar uma final de instrumentos, prosseguindo o voo com um “missed approach procedure” a não ser que possam visualmente identificar a pista e a sua envolvente no momento em que atingem a altitude de decisão nas descidas de precisão.
A nova regra aplicar-se-á a pilotos voando aviões equipados com um “Sistema de Visão Frontal Melhorada” (EFVS) que utilize imagens em tempo real do ambiente em frente da trajectória de voo. Isto em descidas de precisão directas (straight-in approaches). Aviões equipados com sistemas de visão virtuais (bases de dados que geram imagens que são instantâneos obtidos no momento em foram feitas as fotografias). Estes sistemas não representam o que está efectivamente a acontecer no momento em que o avião está a fazer a aproximação. Não deixam, porém, de serem extremamente úteis em certas fases do voo quando disponibilizam ao piloto a orografia do terreno. Uma realidade estática ao invés dad realidade dinâmica de um aeroporto.
Actualmente os sistemas EFVS permitem aos pilotos descer abaixo da “Altitude de Decisão”, mas nunca abaixo dos 100 ft acima da TZE. Com a nova regra proposta pela FAA, os pilotos não terão de mudar a sua visão, do interior para o exterior, alguns segundos antes de aterrar na pista. Como tu sabes esta adaptação visual, entre o foco no painel de instrumentos e o foco na pista, demora alguns segundos que só vêm complicar a manobra diminuindo a segurança operacional.
Porém, com o sistema EFVS que fornece uma imagem em tempo real daquilo que se passa à frente da aeronave vai permitir que o piloto nunca deixe de ter a sua visão focada no painel de instrumentos até que a aeronave toque na pista.
Vejamos um exemplo da imagem fornecida por um sistema EFVS:
Exemplo de imagem fornecida por um sistema EFVS, sobreposta à informação de voo.
Como fonte primária de navegação, somente sistemas EFVS acoplados a “head-up displays” podem ser certificados para operar segundo a nova regra proposta pela FAA. Sistemas EFVS acoplados a “head down displays” poderão, também, ser utilizados pelo piloto que esteja a monitorizar a aproximação durante toda a trajectória até ao momento de aterragem, segundo a regra de operação FAR Part 91.176a.
A Honeywell garante que os pilotos podem de um modo consistente e seguro voar segundo os standards Cat II utilizando um “Head Down Combined Vision Display” como o ilustrado na figura anterior.
As a primary source, only EFVS on head up displays would qualify under the proposed rule. EFVS on head down displays could, however, be used by the pilot monitoring the approach all the way down to touchdown under 91.176a operations. Honeywell claims pilots can "consistently and safely fly to Cat II standards using a head down Combined Vision Display."
Nota, porém, que a nova regra ora proposta nada diz sobre descolagens realizadas por pilotos com acesso a sistemas EFVS.
O que é que esta regra ora proposta pode trazer para aumentar a segurança Operacional da Aviação Geral? Há uns anos atrás os sistemas EFVS, conhecidos por sistemas FLIR eram de uso exclusivo para a aviação militar tais os seus custos de aquisição e operação. Estes sistemas FLIR tinham ainda a particularidade de deverem de ser operados a temperaturas de cerca de -200 ºC. Actualmente já há sistemas EFVS de baixo custo para utilização na Aviação Ligeira. Provavelmente não terão ainda as características necessárias para permitir a nova operação sugerida pela FAA. Aguardemos com calma. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ Como sempre, um abração do Fernando Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
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Segurança Aeronautica nº372
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Em muitas crónicas tenho-te lembrado a importância da informação meteorológica para a segurança dos teus voos. Começarei, hoje, a minha crónica com mais uma breve chamada de atenção para o tema já que o Outono se aproxima e os dias soalheiros começam a escassear.
Como segundo tema desta croniqueta vou analisar a enorme vantagem de um instrumento importante mas raro na Aviação Geral: o indicador de ângulo de ataque (AoA).
Seguidamente farei uma brevíssima referência à nova legislação americana para a obtenção da Licença de Piloto de Linha Aérea. Não mais “futricas” a pilotar aviões de linha aérea.
Para terminar vamos começar a analisar um acidente ocorrido durante um voo de instrução num Piper PA-28R-200 Cherokee Arrow. Um acidente em que se perderam três vidas em circunstâncias que constituem um verdadeiro caso de estudo. Por vezes a insegurança vem de quem menos se espera. A natureza humana a falhar no seu pior.
A NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO METEOROLÓGICA DE VOO
Quando fores voar nunca o faças sem, primeiro, te munires de toda a informação necessária para a viagem. Não te esqueças de um dos elementos principais é a Informação Meteorológica. Nunca te esqueças que ter surpresas nesta matéria pode ser algo de muito perigoso.
Para termos uma base de referência, consultando o último Relatório Nall disponível, verificamos que o número de acidentes, fatais e não-fatais, relacionados com as condições meteorológicas, acontecidos só nos USA, é-nos indicado pelo seguinte gráfico:
Se não queres fazer parte de nenhum gráfico destes, consulta a Informação Meteorológica certificada de acordo com o Anexo 3 da ICAO pelo:
OS INDICADORES DE ÂNGULO DE ATAQUE COMO ÓRGÃOS DE SEGURANÇA
Duas entidades distintas apresentaram nos últimos tempo versões de dispositivos que aumentam a Segurança Operacional das aeronaves onde estão aplicados. Os dispositivos que não são mais que indicadores de ângulo de ataque (AoA) concorrem, em meu entendimento, para uma pilotagem mais segura, evitando, assim, situações perigosas a baixa altura onde a recuperação de uma perda poder ser muito difícil, se não mesmo impossível.
Uma das entidades é a Universidade Aeronáutica de Embry-Riddle que equipou todas os seus aviões com dispositivos de medição de AoA. Poderás dizer-me que todos os aviões já estariam equipados com dispositivos de medição de AoA. É verdade. Todos os aviões deveriam estar equipados com “avisadores de perda” e, estes, medem efectivamente o ângulo da veia fluida com o perfil dos órgãos sustentadores. Contudo, como o próprio nome diz estes dispositivos são avisadores e, não, propriamente “medidores” que permitam avaliar a cada instante o citado ângulo. Estes avisadores são dispositivos de “tudo ou nada” que disparam, com um intervalo angular predefinido pelo próprio construtor, um qualquer tipo de aviso antes de ser atingido o “ângulo de ataque de perda”.
A instalação de indicadores de ângulo de ataque, como aquele que vê na figura, permitirão aos alunos da Universidade de Embry Riddle aprenderem a melhor controlarem os aviões a baixa velocidade.
Segundo Ken Byrnes, responsável pelo departamento de voo da Universidade de Embry Riddle:
"Some of the accidents occurring (nationally) were loss of control because the crew didn't fly the airplane correctly at slow airspeeds. They stalled the airplane. This will help with educating pilots so they know when it may happen."
Isto é uma verdade não só “nacional” mas, antes, “universal”. Quantos pilotos sofrem acidentes porque, por exemplo, a baixa altitude entram com as suas aeronaves em perda? E as razões para que isto aconteça podem ser várias.
Estes dispositivos de medição de AoA, têm sensores nas asas que comunicam continuamente ao piloto a grandeza do ângulo α. Esta informação é fornecida na forma de um grupo de luzes de cor diferente, proporcional ao ângulo de ataque. Para além do factor segurança propriamente dito a disponibilidade de instrumento permite aos instruendos uma muito maior confiança na evolução do seu treino.
Por seu turno o fabricante Icon Aircraft, com a mesma finalidade, passou a equipar o seu anfíbio A5 com um dispositivo de medição de AoA que, pictoricamente e de uma forma extremamente clara e simples, informa o piloto do valor que o ângulo de ataque tem a cada momento. Se quiseres ver uma explicação mais exaustiva e o sistema AoA em acção basta seguires a hiperligação. Aconselho-te muito vivamente que o faças.
Indicador de Ângulo de Ataque do anfíbio ICON Aircraft A5.
Duas entidades bem diferentes mas com a mesma preocupação de Segurança Operacional. Q
O NTSB ANUNCIA QUE NO ANO DE 2012 HOUVE UM DECLÍNIO NOS ACIDENTES…
Num recente relatório – Review of U.S. Civil Aviation Accidentes - (seguir a hiperligação para aceder ao documento), recentemente publicado pelo National Transportation Safety Board dos USA, este instituto anunciou que durante o ano de 2012 aconteceram 1.539 acidentes de aviação civil na sua área de jurisdição. Uma melhoria quando comparada com os 1.550 do ano anterior (2011). Infelizmente, o número de acidentes fatais no universo da Aviação Geral aumentou ligeiramente. Como resultado deste incremento dos acidentes da GA o NTSB manifestou a necessidade de aumentar a Segurança Operacional neste ramo da aviação. Isto só vem provar a necessidade de melhorarmos o nosso airmanship. Q
ALTERAÇÃO DA EXPERIÊNCIA MÍNIMA PARA CO-PILOTOS NOS USA
Nos Estados Unidos entrou em vigor, no passado dia 1 de Agosto, legislação emitida pela Federal Aviation Administration, que veio alterar substancialmente os requisitos do número de horas de voo que deverão ter os co-pilotos antes de exercerem o seu mister em voos segundo FAR Part 125 (Airplanes Having a Seating Capacity of 20 or More Passengers or a Payload Capacity of 6,000 Pounds or More). Esta medida, de um enorme alcance em matéria de Segurança Operacional, passou o mínimo de 250 horas para 1.500 horas de voo. Contudo esta alteração não se limita exclusivamente ao número de horas. Os requisitos a cumprir durante estas 1.500 horas tornaram-se bastante mais complexos.
Porque os problemas que ocorreram nos USA e levaram à adopção destas novas regras têm paralelo na Europa, estou convencido que mais dia, menos dia elas serão igualmente adoptadas pelas entidades europeias. Uma mera suposição. Q
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XXXII)
Como vimos a semana passada, dentro das montanhas não há nuvens. Porém dentro de nuvens pode haver montanhas...
Q
UM ACIDENTE DE INSTRUÇÃO QUE SE TORNOU NUM CASO DE ESTUDO (Parte – I)
No dia 15 de Novembro de 2007 deu-se um acidente durante um voo de instrução com um monomotor Piper PA-28R-200 que acabou por se tornar um verdadeiro caso de estudo tais as singularidades ocorridas. Como sempre faço, proponho-te a leitura do relatório completo do NTSB: o “Relatório de Acidente” DFW08FA031 Para acederes ao mesmo basta seguires a hiperligação.
Piper PA-28R-200 Cherokee Arrow idêntico ao avião acidentado.
Sempre me fez uma enorme confusão a falta de controlo que as Escolas de Pilotagem têm sobre os voos solo dos seus alunos. Fazem bem as manobras incluídas na missão? Cumprem com o programa da missão? Fazem manobras perigosas totalmente fora do conteúdo da missão? Infringiram as “Regras do Ar”? Entraram em áreas proibidas? Um vazio de conhecimento para o instrutor que ficou em terra e gostaria de fazer um “de-briefing” a sério que só beneficiaria a instrução. Mais adiante, voltaremos ao tema.
Porém, neste acidente ocorrido no dia 15 de Novembro de 2007, o problema residia no instrutor e não no aluno, nem no passageiro. Estes dois foram vítimas da falta de profissionalismo de um instrutor que muito provavelmente nunca deveria desempenhar as funções de instrutor.
Mas não nos afastemos da análise estrita do acidente que ocorreu com este Piper PA-28R-200 Cherokee Arrow durante um voo de instrução. Segundo o relatório a aeronave desintegrou-se no ar tendo as diversas partes ficado espalhadas por uma vasta área. Isto significa que o Cherokee não colapsou com o embate no solo. Deste acidente resultou a morte do instrutor e respectivo aluno e de um passageiro, também aluno da escola, que fazia o voo para se familiarizar com a linguagem do ATC visto ser estrangeiro.
Segundo uma testemunha posicionada a 2 milhas a norte do local do acidente, esta diz ter ouvido aquilo que lhe pareceu três “engine stalls” (“ratés do motor)” aos quais se seguiu um ruído “invulgar”. Depois deste último ruído o motor ficou definitivamente silencioso. Porque a testemunha estava equipada com binóculos, ao ouvir estes sons estranhos, observou o avião e viu a aeronave, rodando sobre si própria numa descida com o nariz ligeiramente em baixo e com uma velocidade de rotação lenta no sentido dos ponteiros do relógio.
Outra testemunha situada a uma milha a sul do local do acidente, ouviu uma fonte sonora que lhe pareceu estar a descrever círculos como se um avião estivesse a descrever uma rota circular ou rotativa. Estes sons foram seguidos por um forte som cavo. Após este estrondo, a testemunha afirmou ver diversas partes da aeronave a caírem para o terreno.
Para além dos testemunhos citados foram identificadas cinco “manobras” de interesse através dos dados captados pelo radar. Em 4 das 5 “manobras” o avião, de nariz em baixo picou perdendo cerca de 1.000 a 1.200 ft de altura tendo, ao invés, aumentado a velocidade de ar calibrada (KCAS) dos 80 para os 120 knots. Em três desta manobras, a aeronave voltou a ganhar entre 300 e 400 ft de altura tendo seguidamente desacelerado para 90 KCAS.
1ª Manobra
A primeira “manobra” começou quando o avião, ao atingir os 12.300 ft de altitude (MSL) picou para os 11.000 ft (MSL). Ao atingir esta altitude o piloto meteu o nariz em cima trepando para os 11.500 ft onde, momentaneamente, nivelou.
Na imagem seguinte podem ver-se os retornos do Modo C do radar secundário.
Variações relativas de altitude recebidas pelo modo C (1200) do radar secundário do ATC.
Na próxima croniqueta continuaremos a análise do acidente. Até lá, mesmo que sejas instrutor, evita manobras bruscas para que a tua aeronave não se desintegre em voo. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.
Segurança Aeronautica nº371
NOTA DE ABERTURA
Meu Caro,
Ao retomar mais um ano de croniquetas depois da paragem sazonal começo fazendo um lembrete: enfatizar a necessidade de dispor de informação de voo correcta e actualizada antes de efectuares todos os teus voos.
Depois proponho-te uma pequena anedota através da qual poderás melhorar o teu airmanship. Pode aprender-se Segurança com um sorriso nos lábios. Esta definitivamente não tem de ser uma coisa “chata”.
A seguir proponho-te um tema que, em minha opinião, uma grande parte dos pilotos têm parcos conhecimentos. Exporei algumas ideias sobre os extintores mais vulgares na Aviação: os extintores de gás Halon.
Terminarei os assuntos da semana concluindo um tema que ficou “pendurado” desde Julho passado: o “landing flare”.
Passemos aos desenvolvimentos.
A NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO DE VOO E O HOMEBRIEFING
Para voarmos com toda a Segurança devemo-nos munir antes do voo de toda a “Informação de Voo” correcta e actualizada. Não te esqueças que a Entidade que te fornece esta informação e todas as suas alterações é a
Desde Julho a NAV Portugal publicou diversas emendas cuja leitura te recomendo no site da NAV.
Porém, antes de mais, quero anunciar-te que a NAV Portugal, passou a disponibilizar a partir do passado dia 21 de Agosto o programa HOMEBRIEFING que prepara os planos de rota para os voos das aeronaves. É uma aplicação destinada somente a pessoal ligado directamente à Aviação. Como tal para poderes trabalhar com este produto terás de fazer uma pré-inscrição.
É seu responsável:
Jorge Dias
AIM Advisor / Homebriefing Administrator
DOPLIS/TRALIS/ICALIS
Phone +351 218553351
Mobile +351 919080693
Fax +351 218553635
Para te inscreveres terás de ir ao site da NAV Portugal. Um grande passo em frente e uma ajuda importante para as operações de voo. Estamos todos de parabéns com esta iniciativa da NAV Portugal. Q
A SEGURANÇA OPERACIONAL TAMBÉM SE APRENDE SORRINDO (Parte – XXXI)
Observa que dentro de montanhas não há nuvens! Fora delas já não digo nada.
COMO FUNCIONAM OS EXTINTORES DE GÁS HALON NA AVIAÇÂO
Todas as aeronaves estão sujeitas a fogos e estão equipadas com extintores com as mais diversas especializações. Certas operações que se fazem com aeronaves – e.g. o abastecimento de combustível – são obrigatoriamente realizadas com meios de extinção nas proximidades. Porém, em minha opinião, nos cursos de formação de pilotos os fogos aeronáuticos são um tema pouco aprofundado. Se se ministram alguns conceitos teóricos, infelizmente, na instrução prática pouco ou nada se faz. E esta instrução não seria tão cara como isso. Afinal uns tantos litros de gasóleo e uma carga de um extintor não são assim tão caros. Sem treino, quando “eles” acontecem é ver fazer as maiores asneiras possíveis…
Assim proponho-te nesta croniqueta uma breve análise dos mecanismos do “Fogo” e o seu combate através dos chamados gases Halon.
A utilização dos gases, vulgarmente conhecidos por Halon, em extintores de incêndios foi proibida em Janeiro de 1994. Isto porque estes gases para além de apagarem fogos têm a particularidade de destruir a camada de ozone que nos protege da radiação U.V. que atinge permanentemente a Terra.
Porém, não foi ainda encontrada uma solução adequada para a sua substituição nas aeronaves em voo. Para poder ultrapassar a proibição genérica da utilização dos Halons a União Europeia produziu um Regulamento - Regulamento (UE) n.º 744/2010 da Comissão, de 18 de Agosto de 2010 – que não é mais do que uma derrogativa à legislação de proibição. Para conhecer a totalidade deste Regulamento basta seguir a hiperligação.
DEFINIÇÃO DOS GASES HALON
Os Halons (gases liquefeitos) são agentes extintores de fogos, agentes que são gasosos quando descarregados dentro do ambiente de uma aeronave. Têm ainda a particularidade de não serem condutores de electricidade pelo que poderão ser utilizados para extinguir fogos com origem eléctrica. Com estas características, os Halons são praticamente de utilização universal no domínio da Aviação, quer nos extintores portáteis, quer nos extintores fixos.
Para sermos mais correctos na Aviação são utilizados dois tipos de Halon:
- O Halon 1211, Bromo Cloro difluorometano (CBrClF2) também conhecido por BCF; e
- O Halon 1301, Bromo trifluorometano (CBrF3).
O primeiro é utilizado especialmente nos extintores portáteis e é um gás que tem características para ser utilizado como um agente de ataque direccional no ataque às chamas. O segundo é utilizado especialmente nos extintores fixos e actua especialmente como agente de alagamento dos compartimentos onde é injectado.
DESCRIÇÃO DOS GASES HALON
Como escrevi atrás, os gases Halon são agentes não condutores de electricidade e, tanto quanto sei, são considerados por uma larga margem os melhores produtos extintores de incêndio para utilização na Aviação.
Estes gases funcionam basicamente interrompendo quimicamente aquela reacção à qual se convencionou designar por “Triângulo de Fogo” (Combustível-Oxigénio-Calor), uma cadeia que deve ser mantida para que o fogo prossiga.
Na verdade é necessário juntar simultaneamente três coisas para iniciar um fogo. O primeiro ingrediente é o combustível (qualquer coisa que possa arder), o segundo é o oxigénio (o existente no ar que respiramos é suficiente) e o último é uma fonte de ignição (uma fonte elevada de calor pode provocar um incêndio, mesmo que não exista uma faísca ou chama livre). Tradicionalmente para apagar um fogo é necessário remover um dos lados do triângulo:
- Combustível / Calor;
- Combustível / Oxigénio; ou
- Oxigénio / Calor
Os gases Halon têm a vantagem de não deixarem resíduos pelo que não provocam danos colaterais como, por exemplo, acontece com o pó químico. Contudo, os seus vapores são ligeiramente tóxicos se inalados pelo que deverão ser tomadas precauções possíveis de ventilação quando se usam os Halon.
O Halon é especialmente adequado ao combate a fogos da classe “B” - Líquidos inflamáveis - e da classe “C” – Fogos eléctricos – podendo, ainda, ser utilizados na classe “A” – Combustíveis comuns. É interessante evidenciar que os diversos Halon são quimicamente estáveis desde que mantidos em garrafas apropriadas.
COMO FUNCIONAM OS EXTINTORES DE HALON
Ambas as variantes do Halon funcionam através de uma combinação de acções químicas e físicas. As acções químicas, predominantes no fenómeno global da extinção do fogo, são obtidas através dos próprios átomos do gás que inibem a combustão de dois modos diferentes:
- Os átomos de Bromo e Cloro actuam cataliticamente de modo a que cada um participe repetidamente na extracção de radicais livres importantes dos gases de combustão.
- Os átomos de Fluor reagem com os radicais livres e formam ligações químicas fortes que neutralizam a combustão. Porém só conseguem formar estas ligações uma vez pelo que se diz que são “consumidos”.
Os efeitos físicos destas reacções são simultaneamente um abaixamento na temperatura e uma diluição dos elementos que sustentam a combustão.
A redução na temperatura ocorre, sempre que um gás não reactivo é adicionado aos gases inflamáveis. Porquê? Porque o calor (energia) libertado pela reacção das moléculas de oxigénio com a fonte de combustível vai ter de ser diluído por um volume de gases bastante maior.
A razão da reacção química de combustão diminui rapidamente com reduções na temperatura e, se a concentração de gases inertes adicionados for suficientemente elevada, o próprio mecanismo da chama falha.
As misturas de gases Halon para além de serem inertes, atingem temperaturas muito baixas, quando são libertadas e expandidas dos seus depósitos (extintores) onde se encontram armazenadas a elevadas pressões (Lei de Charles). Com o aumento da bolha de gases onde se verifica a combustão - por injecção do Halon -, dá-se um fenómeno de diluição dos gases pelo que se reduz a frequência com que as moléculas de oxigénio se combinam com as moléculas de combustível. Assim diminui-se o número de reacções químicas que dão origem ao fogo. Nota, porém, que este efeito tem um resultado relativamente menos intenso do que a inibição química e o efeito térmico e que, destes dois, o efeito predominante é o primeiro: a inibição química.
TOXICIDADE DO HALON
Nenhum produto ou substância é inócuo. Os gases Halon não escapam a esta regra. A toxicidade dos gases Halon, especialmente a combinação que é o Halon 1211, é tal que terão de se tomar precauções quando se utiliza este gás em ambientes fechados de modo a minimizar a inalação dos gases descarregados. Quando se utiliza um extintor portátil de Halon na cabina de um avião é sempre recomendável a utilização de uma máscara antigás antes de se iniciar a descarga do produto de modo a eliminar os riscos dos efeitos tóxicos. Se a descarga do Halon se fizer no cockpit torna-se mandatória a utilização das máscaras pressurizadas de oxigénio.
ALTERNATIVAS AO HALON
Actualmente, começam a aparecer no mercado alguns substitutos para o Halon. Entre estes podemos citar entre os seguintes:
- O Inergen (IG 541) - um gás inerte composto por 52 % de azoto, 40 % de argon e 8 % de CO2 ;
- A Argonite (IG 55) – uma mistura de 50% Argon e 50% Azoto.
Contudo ainda não se encontrou “o” produto substituto para os Halon na Aviação. Q
O LANDING FLARE (Parte – II)
Na última croniqueta de Julho vimos os diferentes segmentos relacionados com a aterragem. Recapitulemos o tema:
Os Segmentos Relacionados com a Fase de Aterragem
De acordo com a ICAO ADREP (Accident/Incident Data Reporting) a Fase da Aterragem inclui duas sub-fases – o “flare” e a “rolagem”. Porém, neste artigo, a Fase de Aterragem de um avião de asa fixa vai ser subdividida, para fins didácticos, em mais fases, a saber:
- Aproximação final
- “Flare”
- Aterragem e de-rotação (manobra inversa à rotação)
- Rolagem e desaceleração
Neste artigo não iremos analisar, nem a primeira, nem esta última sub-fase pois elas têm características muito especiais pelo que merecem uma análise autónoma.
Deve ainda enfatizar-se que, em qualquer ponto da aproximação final, “flare” ou mesmo “touchdown”, o piloto deve estar preparado para abortar a aterragem e executar um “borrego” a qualquer momento.
Análise das fases
Uma das mais difíceis tarefas que o piloto tem de executar na rotina da sua actividade ocorre no breve período de tempo da transição entre o final da aproximação e o primeiro contacto com a superfície de aterragem. É a este período de transição que se chama “landing flare”.
O processo do “flare” implica que o piloto ajuste a atitude do avião e a potência em relação àquelas que foram utilizadas durante a aproximação final, um ajuste adaptado à aterragem propriamente dita. Para que sejam verdadeiramente eficazes, estes ajustamentos devem ocorrer a uma dada altura acima da pista, adaptada ao tamanho, peso e performance da aeronave que se pilota no momento, bem como às condições atmosféricas que se fazem sentir no momento. Estes ajustamentos naturalmente criam alguns vícios. Por exemplo, um piloto que pilota habitualmente aeronaves de grande porte, vai ter tendência a realizar o “flare” alto quando pilota pequenas aeronaves. Isto porquê? Porque numa grande parte dos aviões os pilotos vão ter de fazer a avaliação da altura exclusivamente por referências visuais exteriores. Contudo, nas grandes aeronaves existe o “Low Range Radio Altimeter” (LRRA) ou simplesmente o radio altímetro, que fornece com elevada precisão a altura a que a aeronave se encontra acima da pista. Com esta ajuda preciosa o piloto pode iniciar o ponto mais apropriado da descida em que deve iniciar a fase do “flare”
Como é da tua experiência, se executado correctamente, do “flare” resultará uma atitude correcta de aterragem com a potência em “idle” ou muito aproximadamente próxima desta posição, uma velocidade vertical reduzida e uma diminuição gradual da velocidade de ar. Tudo isto acontecendo a uma altitude de alguns centímetros ou pouquíssimos metros acima da pista (dependendo sempre do tipo da aeronave). Ao invés, se o “flare” não for executado correctamente este poderá dar azo a uma aterragem violenta que poderá terminar em colapso do trem, toque na pista com a cauda ou saída de pista.
Nunca nos esqueçamos, porém, que para executar um bom “flare” tens de trazer o teu avião numa final estabilizada. Se a fizeres pouco controlada, a probabilidade do “flare” final ser correcto é muito pequena.
Como já deixei antever atrás, a técnica do “flare” e antecipação com que este deve ser iniciado em relação ao momento em que as rodas entram em contacto com a pista, depende da atitude da aeronave e da diminuição de velocidade de translação que esta vai provocar. Depende também e muito naturalmente do tipo de aeronave. Num dos extremos do espectro destas variáveis estão as aterragens nos porta-aviões. Naturalmente estes extremos só devem ser utilizados por quem efectivamente “atraca” num porta-aviões (versão sarcástica para quem aterra em navios). Na aterragem num “carrier” o avião mantém a atitude de aproximação e a razão de descida até tocar com as rodas no convés. Efectivamente, nestes casos, os últimos metros de voo da aeronave, são interrompidos pelo gancho de aterragem ao agarrar os cabos de travagem disposto sobre o “deck”. Não há “flare”. Com uma pista com aquele comprimento não há distância suficiente para esta manobra. Mas atenção! Os trens de aterragem destas aeronaves estão concebidos para suportar as elevadíssimas cargas que sobre eles se exercem no momento do contacto com a pista. Nunca te esqueças que os pobres dos Cessna’s não estão equipados para este tipo de trens de aterragem (isto é uma piada ordinária…). Parece, mas não estão!
No outro extremo do espectro está a grande maioria dos aviões ligeiros do universo da Aviação Geral, aeronaves cujas rodas devem ser mantidas ligeiramente acima da pista, em atitude de aterragem, até ao momento em que a velocidade de translação baixa ao ponto de ser atingida a “velocidade de perda”. A maioria das aeronaves está, porém, entre estes dois extremos, com a aterragem a ocorrer depois do “flare”, da redução de potência, mas com o avião sempre bem acima da VS (velocidade de perda). Naturalmente, estas aeronaves que aterram neste intervalo têm um período máximo durante o qual se pode “arrastar” o “flare”. Para além deste período vai dar-se um aumento inaceitável do comprimento da aterragem que pode terminar com uma pancada com a cauda no chão.
Assim que as rodas do trem principal entrarem em contacto com a pista, o piloto deverá realizar de imediato a manobra de “desrotação” (manobra inversa à manobra de “rotação”) de modo a evitar a perda da autoridade aerodinâmica dos lemes. Deverá ainda proceder a desaceleração do avião conforme o remanescente e o estado da pista (possível contaminação), evitando sempre que possível travagens violentas pelas razões que todos nós, pilotos, sabemos.
Como sabes o “flare” é executado durante uma fase crítica do voo e, excepto quando se utiliza o modo “autoland”, depende inteiramente da habilidade e experiência do piloto. Para além disto, existe um certo número de factores que podem prejudicar a manobra:
- Velocidade excessiva na aproximação final;
- Velocidade vertical descendente excessiva na aproximação final;
- Início do “flare” a uma altura quer muito alta (“flare” antecipado) quer muito baixa (“flare” atrasado);
- “Flare” insuficiente que pode levar a não quebrar a razão de descida ou que pode não provocar a atitude de aterragem antes dela acontecer;
- Variação de ângulo de ataque demasiado agressiva da qual pode resultar um “balonaço” (ganho de altura);
- Redução inapropriada da potência.
Como te disse atrás o “flare” é fundamental para uma boa aterragem. Se esta parte final da aproximação te correr mal a tua boa aterragem pode estar definitivamente comprometida. Sempre que aterras vais treinar a execução do “flare”. Porém, se não te sentes à vontade porque mudaste de avião ou por qualquer outra razão, então faz um treino sistemático da manobra até te sentires à vontade na sua execução. Um conselho do Fernando. Q
Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ
Como sempre, um abração do
Fernando
Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945.