Cronicas de Segurança Aeronáutica

Meu Caro,

Nesta minha crónica de hoje irei continuar a abordar o Relatório de Acidente do GPIAA onde é feita a análise de um acidente com um Alon A2-A (Aircoupe) do qual resultou a morte de dois companheiros nossos. Como muita gente é capaz de desconhecer o facto, é interessante saber que a produção desta aeronave foi passando de fabricante em fabricante, desde 1937 até ao ano de 1968 quando foi dado por concluído o seu fabrico. Uma aeronave que nasceu há 75 anos!

 

Estão disponíveis na página eletrónica do GPIAA, a partir do dia 11 de Maio:

·         O Relatório Preliminar do Acidente com o ULM  TL-2000 Sting, registo CS-UQL, ocorrido no dia 03 de abril de 2012 no campo de voo de Benavente, (disponível também na versão inglesa)

·         A última atualização do Mapa Síntese dos Acidentes e Incidentes ocorridos em 2012

PERFORMANCE DO AVIÃO COMPLETO - CURVAS DE POTÊNCIA (PARTE IV)

Permite-me regressar um pouco atrás para voltar a fazer uma análise das instruções do fabricante do Alon A2-A (Aircoupe) no tocante à manobra de descolagem. Como já afirmei esta aeronave é bastante antiga, dum tempo em que as regras não eram as actuais. Contudo, há coisas que são do domínio do bom senso (seja lá o que isto for).

Como vimos já, numa croniqueta anterior, para esta marca/tipo de avião coexistiam dois manuais: o “Alon-A2 UNIVAIR Approved Flight Manual” e o “Alon-A2 UNIVAIR Approved Owners Manual”. Aceita-se perfeitamente que estes dois manuais não tenham que ser o espelho um do outro. Se tal acontecesse a sua coexistência não faria qualquer sentido. Porém, na minha modesta opinião, as mesmas manobras e parâmetros terão de ter exactamente a mesma descrição sob pena de não se saber quais dos manuais seguir. Isto é tanto mais relevante quanto mais importantes são as manobras descritas.

Vejamos o que nos diz o “Alon-A2 UNIVAIR Approved Flight Manual” naquilo que se refere à técnica de descolagem:


Meu Caro, este texto contem conceitos que, em minha opinião, são muito esquisitos ou então estão em contradição com a teoria da Aerodinâmica. Vejamos.

Adjust the trim tab control for full nose up” – Quando o piloto faz este ajustamento o plano de cauda assume um perfil côncavo convexo invertido. A veia fluida, ao varrer esta superfície aerodinâmica, se ela estiver na sua posição neutra, naturalmente vai criar uma força: a Sustentação. Negativa, porque puxa o plano horizontal de cauda para baixo. Deste facto resulta o levantar o nariz da aeronave.

Na continuação o Manual explicita que:

The Shortest take-off is ordinarily obtained by holding the control whell fully back through the entire take-off run” – Salvo melhor opinião, ao executar esta manobra da maneira explicitada no Manual vamos cair numa situação totalmente errada. Porquê? Porque ao puxarmos o manche todo atrás, desde o início da corrida, vamos aumentar o ângulo de ataque da asa aumentando desnecessariamente a Resistência aerodinâmica sem obtermos com a Sustentação um ratio optimizado. Puxar o manche ligeiramente atrás para evitar os efeitos de “shimmy” é uma coisa, puxar o manche à barriga é outra totalmente diferente.

Ou este avião desafia as Leis da Aerodinâmica ou parece-me haver algo de errado neste manual.

Efectivamente, se agora seguirmos o “Alon-A2 UNIVAIR Approved Owners Manual” o fabricante já diz algo totalmente diferente para a manobra de descolagem:


Passemos à análise da Descolagem propriamente dita:


Como poderás ver, o fabricante no “Approved Owners Manual”, afirma algo totalmente diferente daquilo que afirmou atrás no “Approved Flight Manual”. No “Owners Manual” aquele começa por afirmar que “The take-off technique is conventional for the Aircoupe”. Afinal no que é que ficamos? Qual das técnicas deve o piloto seguir, quer esteja numa posição de “Owner-Pilot” ou só “Pilot”?

Tal como afirmámos atrás quando levantámos a questão de fazer toda a corrida de descolagem com o “manche” à barriga, neste último texto, o fabricante já afirma – de acordo com os princípios básicos da Aerodinâmica – que “Premature raising of the nose, or raising it to in an excessive angle, will result in a delayed take-off”.

Como dizia Hamlet, essa figura criada por William Shakespeare, “Algo vai mal no Reino da Dinamarca”, eu sentia-me tentado a dizer que com estes manuais contraditórios “Algo vai mal no Reino da Aviação”.

Concluímos a croniqueta anterior com a análise do seguinte gráfico:


Figura nº29 retirada com a devida vénia do Relatório do GPIAA.

Através dos dados obtidos na figura anterior o GPIAA chegava à seguinte conclusão:

Nestas condições, com a introdução do coeficiente menos penalizante (45%), a distância de descolagem de 457m (1500pés), que fora determinada para vento zero (ver 2.1.2.1), seria agravada para 663m (2175pés). Como a pista só dispunha de 540m (1783pés) de comprimento, a descolagem com aquele vento de cauda estava altamente comprometida.

Na próxima semana continuaremos a análise do acidente através do Relatório Final de Acidente N° 01/ACCID/2010 do GPIAA. Temos mais pontos interessantes a estudar. Q

Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ

Como sempre, um abração do

Fernando

Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.

Meu Caro,

Nesta minha croniqueta vou continuar a analisar a matéria relevante inserta num relatório do GPIAA onde se dá conta de um acidente ocorrido no Ciborro e que vitimou dois companheiros nossos.

PERFORMANCE DO AVIÃO COMPLETO - CURVAS DE POTÊNCIA (PARTE III)

Como esclareci na crónica anterior, o fabricante da aeronave acidentada publica dois manuais com nomes diferentes: “Manual de Voo da Aeronave” e “Manual do Operador da Aeronave”. Disse na altura que achava estarmos perante um confuso problema de semântica que nunca deveria acontecer em manuais aeronáuticos. Certamente fruto de uma época que já lá vai há muitos anos.

Perante a existência destes dois manuais o GPIAA resolveu fazer a seguinte escolha:

Por entendermos que o Manual de Voo da Aeronave (Aircraft Flight Manual) deve ter precedência sobre o Manual do Operador da Aeronave (Aircraft Owners Manual) vamos considerar aquele como base da nossa análise ao comportamento da aeronave durante a descolagem, subida inicial e subida em rota, utilizando os gráficos ali disponibilizados e introduzindo os valores dos parâmetros requeridos nas diferentes etapas.

Se “…os valores dos parâmetros requeridos nas diferentes etapas…” são os correctos isso é uma questão da inteira responsabilidade do fabricante. Penso que a decisão do GPIAA não é de modo algum criticável. Pessoalmente, perante o dilema, eu próprio talvez tomasse a mesma opção. Já não a admito, porém, por parte do fabricante pois surgem diferenças significativas entre os dois manuais. No que diz respeito à descolagem, por exemplo.

Para se poder perceber solidamente a problemática das curvas de potência que me propus abordar, há que analisar uma série de pormenores insertos no Relatório do GPIAA. Fastidiosos? Não! Constituem, antes, uma excelente revisão de matéria gratificante para o nosso airmanship.

Como tal comecemos por analisar o ponto 1.16.3 do Relatório do GPIAA – “Desmontagem e Inspecção Interna ao Motor”. O que li neste ponto deixou-me completamente surpreso. Vejamos o que ele nos diz:

Ao verificar a sincronização do motor detectou-se que as marcas originais da árvore de cames se encontravam desalinhadas, por uma diferença de dois dentes, com a marca da cambota, ao mesmo tempo que se notava uma marca feita à mão que correspondia à nova posição (figura nº 18). Esta alteração poderá ter sido causada pela necessidade de regular a abertura das válvulas, para evitar a detonação, ao mudar de tipo de combustível.

Para perceber o que significa este deslocamento vejamos a figura nº 18 pois ele é bem eloquente.


Figura nº 18 retirada com a devida vénia do Relatório do GPIAA.

Repara nas duas rodas dentadas. A de baixo ligada à cambota do motor e a de cima ligada ao veio de excêntricos ou árvore de cames. Se reparares a marca de montagem relativa entre as duas rodas que comandam o motor – “Marca Manual Amarela” – encontra-se dois dentes desviada para a esquerda dos dentes que têm as marcas originais do fabricante do motor – “Marcas Originais Vermelhas”. Isto na engrenagem de cima, a engrenagem que comanda a árvore de cames. Num motor correctamente montado, a “marca original” assinalada a verde na roda dentada inferior deveria estar colocada entre os dois dentes da roda superior assinalados a vermelho por “marcas originais”. Qual é o significado da montagem que foi encontrada no motor acidentado? Simplesmente que o motor foi “atrasado” 27º (vinte e sete graus) no seu ciclo de Beau Rochas para motores de combustão a volume constante de 4 tempos.

Diagrama de Beau Rochas retirado com a devida vénia de “Aircraft Powerplants.

Para complementarmos o Diagrama do Ciclo de Beau Rochas podemos observar o diagrama seguinte onde se analisa a abertura e fecho relativos das válvulas de um motor de 4 tempos.

Diagramas de abertura e fecho de válvulas num motor de 4 tempos. Retirado com a devida vénia de “Aircraft Powerplants.

Se “atrasares” o motor em relação ao seu ciclo original vai acontecer que as válvulas de admissão vão abrir mais tarde e, assim, admitir nesse cilindro menos mistura combustível. Por outras palavras, menos energia química. Na prática isto significa que o motor vai perder potência. Pergunto eu: “ – Para resolver um problema de pré-ignição que aparece em virtude de troca de combustível será lícito diminuir a potência nominal do motor da aeronave que, já de si é baixa!?”. Estaria esta alteração coberta por alguma certificação dos fabricantes do avião e do motor ou foi obra de um “curioso” que se pôs a mexer na distribuição deste até lhe fazer desaparecer a pré-ignição? Ou seria esta situação simplesmente resultado de uma montagem deficiente do motor?

É minha opinião que este problema deveria ser alvo de uma investigação profunda, não por parte do GPIAA, mas por parte de outras entidades competentes. Afinal pode estar tudo certo mas, também, pode estar tudo muito errado…

Para reveres a matéria de motores aconselho-te a ler em:

http://www.faa.gov/library/manuals/aviation/pilot_handbook/media/PHAK%20-%20Chapter%2006.pdf

o “Chapter 6 – Aircraft Systems” do Pilot's Handbook of Aeronautical Knowledge da FAA.

Visto este ponto que me parece muito importante, passemos à análise do ponto 2.1.2.1 Comprimento de Pista Necessário”:

O gráfico nº 3 permite calcular qual o comprimento necessário de pista, para a descolagem, considerando uma aceleração normal, com motor no regime de descolagem (manete toda à frente) e aquecimento de carburador em frio, partindo de uma posição estática e até atingir uma altura de 50 pés acima da pista.

Gráfico nº 3 extraído com a devida vénia do Relatório do GPIAA

Trata-se de um gráfico com uma interpretação não muito fácil pois é representado por um chamado “Gráfico de entradas múltiplas” tão ao gosto dos americanos nos meados do século passado. Falo por experiência própria pois por, dever escolar, tive de estudar Nomografia e de aprender a desenvolver este tipo de gráficos.

Diz-nos o GPIAA que

Tendo em conta a Massa Actual à Descolagem de 1418lbs, a qual se encontrava abaixo do máximo estrutural e permitido pela altitude e temperatura (1450lbs) e as condições atmosféricas do momento (ISA), introduzimos estes valores no gráfico (gráfico nº 3) para encontrar a distância de descolagem necessária de 1500pés (457m), para uma componente de vento igual a zero, dado não haver factor de correcção para vento de cauda. Como o comprimento total da pista era de 1783pés (540m), a descolagem nesta pista, com vento calmo, era absolutamente possível, mesmo iniciando a corrida em frente do hangar (1740pés ou 530m).

Como sabes as tabelas de “performance de descolagem” fornecidas para os aviões ligeiros de Aviação Geral são, normalmente, muito incompletas. Os fabricantes ficam-se, normalmente, por tabelas muito simples e genéricas. Uma maneira de se defenderem das “N” variáveis das pistas em que estas aeronaves operam. Se vires os manuais da Boeing ou da Airbus perceberás o que eu te digo.

Prosseguindo a leitura do Relatório o GPIAA diz-nos que:

Sendo este um valor “net” quer dizer que existe sempre uma margem de cobertura para diversos factores operacionais que se torna impossível considerar. Por outro lado, além das correcções introduzidas pelo próprio gráfico, outras deverão ser incluídas à posteriori, tais como “declive positivo” e “operação em pista relvada”.

Logo de seguida o Relatório afirma que:

Não há correcções a aplicar para pista com declive negativo, utilizando-se o declive = 0, nem para descolagem com vento de cauda, pelo que o gráfico não pode ser utilizado nesta condição (não recomendada), a não ser que outros factores o determinem (figura nº 28).

Sendo esta uma distância de descolagem (take-off distance), acaba por ser superior à distância percorrida sobre a pista (take-off run), podendo incluir o “stop-way” ou “clear-way”.


Figura Nº 28 retirada com a devida vénia do Relatório do GPIAA

A figura Nº 28 dá-nos um exemplo de uma parâmetro que pode ser relevante mas que o fabricante não entende ser importante para a descolagem numa pista com declive negativo (a descer no sentido da corrida da descolagem). Uma das tais simplificações típicas da Aviação Geral.

No ponto 2.1.2.2 do Relatório “- Correcção ao Vento-“ lê-se textualmente o seguinte:

Uma vez que o AFM não apresenta qualquer tabela de correcção para o vento de cauda, uma descolagem com vento de cauda não deve ser efectuada, a não ser que outros factores relevantes assim o determinem. Mesmo assim deve ser tido em consideração o facto de, para ventos muito fortes, a penalização ser demasiado elevada e determinante para a exequibilidade de tal manobra, como podemos comprovar socorrendo-nos mais uma vez da publicação da FAA – “Pilot Handbook of Aeronautical Knowledge”. Considerando o valor actual de -14kts (-16MPH) de vento de cauda vejamos a sua influência na distância de descolagem (figura nº 29).

Prosseguindo a leitura do Relatório do GPIAA ficamos a saber que:

Ao contrário do que aconteceria com o vento de frente, que introduziria um coeficiente de redução da distância de descolagem de 56%, a presença do vento de cauda traria uma penalização de 75% (tracejado grosso na figura nº 29). Cumprindo com a recomendação do AFM que, perante a ausência de compensação na construção da grelha de correcção ao vento, sugere a introdução de um coeficiente de 50%, obtemos um factor de correcção da distância de descolagem de -35% e +45%, respectivamente para vento de frente e de cauda (tracejado fino).

Figura Nº29 extraída com a devida vénia do Relatório do GPIAA.

Ao contrário do que aconteceria com o vento de frente, que introduziria um coeficiente de redução da distância de descolagem de 56%, a presença do vento de cauda traria uma penalização de 75% (tracejado grosso na figura nº 29). Cumprindo com a recomendação do AFM que, perante a ausência de compensação na construção da grelha de correcção ao vento, sugere a introdução de um coeficiente de 50%, obtemos um factor de correcção da distância de descolagem de -35% e +45%, respectivamente para vento de frente e de cauda (tracejado fino).

O problema de descolar com uma componente de vento de cauda é sempre é sempre uma decisão que cria algumas dificuldades ao piloto. Vejamos o caso da pista do Aeródromo de Santa Cruz (LPSC) com um QFU 17-35. Esta pista tem uma aclividade (rampa a subir) sensível no rumo 170º. Contudo os ventos predominantes são de Norte. Porém, há dias em que os ventos são do quadrante SUL o que implica uma descolagem a subir. Quem aprendeu a voar neste aeródromo sabe que muito provavelmente, em certos dias, é preferível descolar na pista 35 mesmo que aceitando uma componente de vento de cauda até 5kts. É preferível descolar a descer aceitando um bocadinho de vento de cauda do que descolar a subir com um vento de frente, mas fraco. Ao fim e ao cabo “balanços de energia” sobre os quais o piloto tem de decidir.

Continuaremos na próxima semana. Até lá aconselho-te a teres muito cuidado com os citados “balanços de energia”. Q

Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ

Como sempre, um abração do

Fernando

Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.

Meu Caro,

Começamos por te transmitir nesta crónica um facto sempre desagradável. O número de acidentes, nos USA, com aviões de Aviação Geral em 2011 aumentou em relação ao ano de 2010. Um aumento mínimo mas um aumento.

Depois iremos analisar uma notícia que nos relata como um voo de festa se pode transformar num voo de tragédia em virtude do ambiente que se vivia no interior do avião.

Terminaremos com a segunda parte do artigo “Performance do Avião Completo”, escrito com base num Relatório do GPIAA.


Estão disponíveis na página eletrónica do GPIAA, a partir de 2 de Maio:

·         O Relatório Preliminar do Acidente com o DG-800LA, registo D-KLHZ, ocorrido no dia 25 de Março de 2012 em Alvarim, Águeda, (disponível também na versão inglesa)

·         A ultima atualização do Mapa Síntese dos Acidentes e Incidentes ocorridos em 2012

UM AUMENTO DE ACIDENTES DE AVIAÇÃO GERAL NOS USA DURANTE O ANO DE 2011

O NTSB revelou a semana passada que houve, nos Estados Unidos, um aumento de acidentes de aviação Geral durante o ano de 2011. O número de acidentes com aviões civis nos US foram 1550 durante 2011, em comparação com as 1500 ocorrências registadas durante o ano de 2010 Só por si a Aviação Geral representou 1.466 dos acidentes com aviões civis durante o ano de 2011. Um ligeiro aumento em relação às 1.439 de 2010. Para saberes mais consulta a página de “Estatísticas do NTSB”. Para tal basta seguires a hiperligação.

É somente um aumento de 1%. Contudo é um aumento, algo do qual não gostamos mesmo nada. Q

STERILE COCKPIT: UMA FANTASIA OU UMA NECESSIDADE?

Os aviões são máquinas relativamente difíceis de dirigir pois ultrapassam, em quase tudo, os parâmetros para os quais o Homem está concebido. Sendo muito sintético, o Homem está feito para deslocar-se a 5 km/h e a 2 dimensões. Os aviões deslocam-se muito mais rápidos e a 3 dimensões. Isto implica, da parte do piloto, uma atenção redobrada para conseguir controlar e manobrar a máquina. Qualquer coisa pode servir para o distrair da sua função com as consequências que todos nós sabemos.

Como tal, a política do “Sterile cockpit” não é uma fantasia mas, sim, um “must”. Volta e meia o acidente acontece para provar isso mesmo.

No passado sábado, 28 de Abril pelas 3h00 p.m., LT, na vila de Chatel-St-Denis, próximo de Tatroz, Suiça, ocorreu um acidente fatal com um avião monomotor Piper PA-32R-301 Saratoga devido à falta de disciplina a bordo da aeronave. O avião transportava 4 homens e 2 senhoras.

O Piper PA-32R-301 Saratoga acidentado. Extraído com a devida vénia de Flight Safety Information.

Tratava-se de um voo para comemorar um aniversário. De acordo com o depoimento de várias testemunhas o avião fez uma passagem baixa sobre o terraço de uma casa onde havia pessoas bebendo cocktails, festejando a chegada da aeronave e falando com os passageiros através de telefones celulares. Uma festa. Uma festa que acabou assim:

Os destroços do Piper PA-32R-301 Saratoga após o acidente. Extraído com a devida vénia de Flight Safety Information.

Efectivamente, o Piper Saratoga sobrevoou a povoação a baixa altitude tendo, a certa altura, ficado preso num qualquer ponto de ancoragem no topo de um telhado de uma estrutura. Desgovernada, a aeronave acabou por colidir com o solo numa pastagem situada a 150 m da estrutura contra a qual colidiu. Deste impacte o avião ficou completamente destruído tendo, como resultado, ocorrido seis óbitos. Todos quantos iam a bordo. Se quiseres saber mais sobre o acidente com o Piper PA-32R-301 segue a hiperligação.

Temos um voo que, antes de mais nos parece um voo de diversão tal como aqueles que se realizam nos carrosséis das feiras. Ora a Aviação Geral não permite voos de brincadeira. No cockpit, numa fase destas do voo, tem de reinar uma política de “sterile cockpit” e não de telefonemas e passagens a rapar. Para além disso, pelas notícias que recebi, o piloto transgrediu fortemente a altura mínima de voo. Voou tão baixo que colidiu com uma estrutura artificial na povoação. Nunca te esqueças que estas “rapadas”, para além de serem uma transgressão às regras do ar insertas no Anexo 2 da ICAO, muitas vezes acabam mesmo por terminar mal. Nunca faças voos deste tipo. São demasiado perigosos. Um conselho do Fernando. Q

PERFORMANCE DO AVIÃO COMPLETO - CURVAS DE POTÊNCIA (PARTE II)

Publicou o GPIAA, há duas semanas, o seu Relatório Final de Acidente N° 01/Accid/2010. Para conheceres o seu teor completo recomendo-te, como sempre faço, que sigas a hiperligação. Não te esqueças que lendo relatórios de acidentes aprende-se ou relembra-se sempre matérias importantes.

Na minha anterior crónica analisei o voo de uma aeronave no lado esquerdo do eixo vertical das curvas de potência e os cuidados que têm de estar ligados a esse tipo de voo. Hoje vamos prosseguir na análise do acidente conforme é descrito no Relatório Final de Acidente N° 01/Accid/2010.

Porque o avião não era um avião vulgar, vejamos o que nos diz o GPIAA no ponto 1.6.1.do Relatório sobre a aeronave:

Monomotor, monoplano de asa baixa, trem triciclo não escamoteável, com capacidade para dois ocupantes e uma Massa Máxima à Descolagem (MTOM) de 657kg (1450Lbs), o Alon A-2A (figura seguinte) era uma versão melhorada do original da Engineering and Research Corporation (ERCO), fabricado pela Mooney Aircraft Corporation, desde 1967 até 1970.

2012-05-01 Alon A-2A

Alon A-2ª semelhante ao avião acidentado.

Concebido em 1939 como um avião seguro (não entrava em spin) e fácil de pilotar, o então chamado “Ercoupe” integrava diversas características muito inovativas para a época. A versão original não tinha pedais, sendo voado exclusivamente através do “manche” que controlava o leme vertical, leme horizontal e os ailerons, bem como a viragem da roda de nariz.

Quando, em 1964, a “Alon Incorporated” comprou a patente, foi instalado um motor mais potente (90HP) e introduzidos pedais para controlo do leme vertical, por força do aumento do torque.

Há tempos atrás um avião Alon foi visto na internet por diversas vezes pilotado por uma piloto desprovida de braços, uma rapariga que pilotava exclusivamente com os pés. Isto era possível porque a aeronave, como se diz atrás, tinha o leme vertical e os ailerons interligados. Para o pilotar bastava utilizar o Yoke. Era uma aeronave que só tinha um pedal! Um pedal de travão. Como este cruzamento de lemes acaba sempre por trazer problemas para resolver aterragens com ventos cruzados, a Alon Incorporated passou, a partir de certa altura, a incorporar um sistema de dois pedais tradicionais. Para além desta nova versão de fábrica, disponibilizou igualmente um kit para transformar o modelo sem pedais na versão de comandos tradicional.

Na semana passada disse-te que não iríamos analisar exaustivamente o teor completo do Relatório. Lembro-te que te disse que iria analisar contigo, apoiando-me no referido documento, as curvas de potência do avião. Começarei por relembrar o diagrama que apresentei na semana passada:

Potência necessária vs potência disponível. Manual do FAA/Relatório GPIAA.

Prosseguindo a leitura do texto do Relatório Final de Acidente Nº01/Accid/2010 vejamos o que podemos ler no ponto 2.1.1.1 Curvas de Potência. No diagrama anterior:

A linha “A” representa a resistência total da aeronave, em situação de voo nivelado a diversas velocidades e é equivalente à potência necessária para contrariar essa resistência ao avanço e garantir essas condições de voo. Já a linha “B” representa a potência máxima que pode ser disponibilizada pelo motor, à mesma altitude e velocidades. O espaço situado entre essas duas linhas representa o excesso de potência disponível, o qual nos permite manobrar a aeronave. O ponto nº 1 corresponde à velocidade mínima para a potência disponível (a velocidade mínima de sustentação é geralmente determinada por outros factores aerodinâmicos e normalmente será superior a este valor). O ponto nº 2 representa a velocidade de cruzeiro em que é utilizada a menor potência e, consequentemente, de máxima autonomia.

O ponto nº 3 (diferença máxima entre a potência disponível e requerida) traduz o valor da velocidade para uma razão de subida máxima. Por sua vez o ponto nº 4 representa a velocidade máxima que pode ser atingida em cruzeiro.

Quando a aeronave se encontra em voo de cruzeiro, para a direita do ponto nº 2, a qualquer aumento de potência corresponde um aumento de velocidade, até atingir a potência e velocidade máximas, ao contrário do que acontece na zona à esquerda do ponto nº 2 onde um aumento de velocidade corresponde a uma diminuição da potência necessária. Situam-se na primeira zona o voo normal de cruzeiro, subida, descida e manobra, enquanto a segunda abrange o voo a baixas velocidades, nomeadamente as manobras de descolagem e aterragem.

Na crónica anterior falei nos perigos da “zona de inversão de comando” ou “zona de inversão de potência”. Prosseguindo a leitura do relatório somos informados que:

Se, durante uma descolagem (especialmente em pistas curtas), o piloto tentar sair fora do efeito de solo antes de ter atingido a atitude e velocidade de subida recomendadas, a aeronave pode entrar inadvertidamente nesta zona de inversão a muito baixa altitude. Mesmo com potência de descolagem, a aeronave pode ser incapaz de subir, ou mesmo manter a altitude, restando ao piloto a única possibilidade de diminuir a atitude, para que a velocidade possa aumentar, o que irá provocar uma inevitável perda de altitude.

Lembras-te da minha descrição da técnica de aterragem de precisão que utilizávamos em provas de Rallye Aéreo? Uma técnica que eu não recomendava a quem não estivesse muito treinado.

Antes de continuarmos a análise das curvas de potência teremos de fazer um parêntesis sobre os manuais do avião. Esta aeronave é extremamente antiga pois fez o seu primeiro voo em 1937 e foi lançada no mercado no ano de 1940. Para além disso, a fábrica passou por diversos donos tendo todos eles introduzido as suas alterações.

Assim, vejamos o que nos diz o ponto “2.1.1.2 Comportamento do Alon A2” do Relatório de Acidente.

O comportamento em voo do “Alon A2” (e suas capacidades) é tratado na secção V do Manual de Voo da Aeronave (AFM), emitido e aprovado por “Univair Aircraft Corporation”.

Para que os valores obtidos, dos gráficos ali apresentados, possam ser considerados válidos há, antes de mais, que considerar os seguintes princípios gerais:

Célula - Sem modificações estruturais e com os equipamentos normais;

Motor - Continental C90-16F;

Hélice - McCauley 1B90CM ou 1A90CF;

Massa - Dentro dos valores máximos estruturais e/ou calculados para a altitude e temperatura;

Pista – Superfície dura, seca e nivelada;

Técnicas de Pilotagem – Conforme descrito na secção IV do AFM.

Continuando a leitura do acima referido ponto somos informados de que:

A secção IV do AFM incorpora todas as informações pertinentes relativas à operação (handling) da aeronave, agrupadas de acordo com as diversas fases do voo. Na parte referente à descolagem encontramos as seguintes recomendações (figura nº 26):

Figura nº26 do Relatório do GPIAA

Mais adiante o fabricante naquilo que, em minha opinião, poderemos apodar de “falta de qualidade”, volta a redefinir as condições de descolagem, agora num outro manual intitulado por Manual do Operador da Aeronave (Aircraft Owners Manual), deixando qualquer piloto numa situação de dúvida. Pelo menos eu assim fico.

Vejamos a continuação do Relatório do GPIAA:

Curiosamente, a mesma empresa (Univair Aircraft Corporation) emitiu o Manual do Operador da Aeronave (Aircraft Owners Manual), no qual refere uma técnica substancialmente diferente da anterior (figura nº 27)::

Figura nº27 do Relatório do GPIAA

Repara nos nomes dos dois manuais: “Manual de Voo da Aeronave” e “Manual do Operador da Aeronave”. Acho que estamos perante um confuso problema de semântica que nunca deveria acontecer em manuais aeronáuticos. Fruto duma época que já lá vai há muitos anos.

Perante a existência destes dois manuais o GPIAA resolveu fazer a seguinte escolha:

Por entendermos que o Manual de Voo da Aeronave (Aircraft Flight Manual) deve ter precedência sobre o Manual do Operador da Aeronave (Aircraft Owners Manual) vamos considerar aquele como base da nossa análise ao comportamento da aeronave durante a descolagem, subida inicial e subida em rota, utilizando os gráficos ali disponibilizados e introduzindo os valores dos parâmetros requeridos nas diferentes etapas.

Se “…os valores dos parâmetros requeridos nas diferentes etapas…” são os correctos isso é uma questão da inteira responsabilidade do fabricante.

Voltaremos ao tema. Q

Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ

Como sempre, um abração do

Fernando

Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.

Meu Caro,

O primeiro dos dois temas desta semana será um alerta para evitar discussões entre os elementos de uma tripulação ou entre estes e o Controlo. Quer num caso, quer noutro poderemos estar a sacrificar inutilmente a Segurança Operacional.

Terminarei a minha croniqueta começando a abordar um tema que foi a base do acidente com uma aeronave Alon A2-A (Aircoupe) no Ciborro. Apoiar-me-ei no Relatório do GPIAA.

UMA POSTURA DE PILOTOS QUE SE ESQUECERAM DO CREW RESSOURCE MANAGEMENT

Os factos, apesar de lastimáveis, são simples de relatar. A tripulação de um voo comercial, entre Exeter, UK, e Málaga no Sul de Espanha, entrou num processo de conflito (discussão) entre o Comandante e o Co-Piloto e, como muitas vezes acontece nestes casos, desenvolveu-se uma espiral de violência entre ambos.

Note-se, porém, que não estávamos perante uma tripulação de “meninos” já que ambos os pilotos estavam na casa dos cinquenta.

Como é que tudo começou? Começou quando o Comandante, antes do avião descolar de Exeter, disse ao co-piloto que ele não tinha executado todos os procedimentos “pre-flight procedures” que deveria ter realizado. Logo aqui começaram as palavras azedas entre ambos.

Mais tarde, já durante o voo, quando a aeronave entrou numa zona de turbulência, a atmosfera dentro do cockpit deteriorou-se seriamente. O Co-Piloto pediu ao Comandante para que este, por uma questão de segurança, contornasse a zona de turbulência. O Comandante ignorou, pura e simplesmente, o pedido do seu co-piloto.

Na discussão que se seguiu o co-piloto disse ao comandante que ele não passava de “Control freak” (expressão pejorativa utilizada na área da Psicologia para designar uma pessoa que, ditatorialmente, tenta impor a sua vontade em tudo o que se passa à sua volta) acabando por lhe dizer "f*ck off.". Expressão idiomática que acho não valer a pena traduzir.

De acordo com o investigador desta desagradável situação, o que se passou criou, efectivamente, um risco potencial para a segurança do voo, quer para as pessoas, quer para o material.

Durante o voo de retorno de Málaga, o co-piloto resolveu amuar mantendo-se toda a viagem em silêncio e a ler um jornal.

No fim do voo ambos os pilotos apresentaram queixas um do outro à Gestão da Companhia, que tomou medidas judiciais contra ambos.

Tudo isto é extremamente desagradável quando se passa com profissionais com formação profunda em “crew ressource management”. Porém, os pilotos são humanos e estão sujeitos a processos de tensão psicológica que por vezes os fazem esquecer tudo o que aprenderam.

Nunca voei como piloto de uma tripulação que tecnicamente se pudesse definir como multi-crew. Porém voei como membro de uma tripulação de Rallye Aéreo, que na prática é isto mesmo. Este facto ensinou-me que o ambiente confinado de um cockpit é o pior local para discutir o que quer que seja. Os pilotos deverão sempre evitar discussões e, muito menos, elevar a voz pois que, daí em diante, se pode cair numa espiral de violência que termine num risco potencial para a segurança do voo, nem ajuda a resolução do diferendo.

As discussões mais complexas fazem-se num “after flight debriefing”, em terra, onde até já poderá haver opiniões árbitro.

Outro tipo de discussão, muito perigoso, que às vezes pode ocorrer – apesar de nunca dever acontecer - é aquele que se dá entre o Controlo e o Piloto. Efectivamente não pode haver discussões, via rádio, entre estas duas entidades. Cada um sabe (ou deveria saber) perfeitamente quais os direitos e as obrigações das suas funções. Se houver um diferendo entre ambos, quer o Controlo, quer o Piloto, nunca deverão iniciar uma discussão ou uma reprimenda na frequência aeronáutica. Infelizmente já ouvi isto acontecer. Como todos queremos garantir um nível máximo de segurança, se o Controlo ou o Piloto acharem que houve prevaricação da outra parte, calmamente, em terra, por escrito, levam os factos ao conhecimento das entidades aeronáuticas responsáveis. Outras vezes uma boa conversa entre o Controlo e o Piloto pode esclarecer pontos de vista diferentes. Nunca nos podemos esquecer que estas duas entidades, por razões de formação, poderão ter visões diferentes e que todos, em nome da Segurança, só terão vantagem em as esvanecer. Discutir na frequência é que nunca, meu Caro! Bom senso acima de tudo. Estes são os conselhos do Fernando. Q

PERFORMANCE DO AVIÃO COMPLETO - CURVAS DE POTÊNCIA (PARTE I)

Publicou o GPIAA, a semana passada, o seu Relatório Final de Acidente N° 01/Accid/2010. Para conheceres o seu teor completo recomendo-te que sigas a hiperligação. Não te esqueças que lendo relatórios de acidentes aprende-se ou relembra-se sempre matérias importantes.

Não vou fazer uma análise global do relatório nesta croniqueta. Vou debruçar-me sobre uma particularidade que todos nós estudámos quando aprendemos a Performance do Avião Completo.

Se voltares a consultar os teus apontamentos das aulas, ou o “Pilot's Handbook of Aeronautical Knowledge” da FAA, essa excelente obra gratuita que podes descarregar a partir do endereço http://www.faa.gov/library/manuals/aviation/pilot_handbook/, com a vantagem de poderes descarregar os ficheiros pdf de cada capítulo, um por um, poderás relembrar conceitos importantes.

Pilot’s Handbook of Aeronautical Knowledge da FAA.

Para descarregares o capítulo específico da Performance do Avião - “Cap. 10 - Aircraft Performance” - basta seguires a hiperligação.

Aproveitemos o texto do próprio Relatório para relembrar os conceitos fundamentais relacionados com as curvas de potência disponível, relacionados com as curvas de potência disponível, a velocidade e a potência necessária para contrariar a resistência ao avanço. Olhemos para a figura seguinte.

A linha “A” representa a resistência total da aeronave, em situação de voo nivelado a diversas velocidades e é equivalente à potência necessária para contrariar essa resistência ao avanço e garantir essas condições de voo. Já a linha “B” representa a potência máxima que pode ser disponibilizada pelo motor, à mesma altitude e velocidades. O espaço situado entre essas duas linhas representa o excesso de potência disponível, o qual nos permite manobrar a aeronave. O ponto nº 1 corresponde à velocidade mínima para a potência disponível (a velocidade mínima de sustentação é geralmente determinada por outros factores aerodinâmicos e normalmente será superior a este valor). O ponto nº 2 representa a velocidade de cruzeiro em que é utilizada a menor potência e, consequentemente, de máxima autonomia.

O ponto nº 3 (diferença máxima entre a potência disponível e requerida) traduz o valor da velocidade para uma razão de subida máxima. Por sua vez o ponto nº 4 representa a velocidade máxima que pode ser atingida em cruzeiro.


Potência necessária vs potência disponível. Manual do FAA/Relatório GPIAA.

Estes conceitos são básicos no chamado “avião completo”. Relaciona a parte aerodinâmica com a potência disponibilizada pelo grupo motopropulsor. Continuemos a leitura do Relatório.

Quando a aeronave se encontra em voo de cruzeiro, para a direita do ponto nº 2, a qualquer aumento de potência corresponde um aumento de velocidade, até atingir a potência e velocidade máximas, ao contrário do que acontece na zona à esquerda do ponto nº 2 onde um aumento de velocidade corresponde a uma diminuição da potência necessária. Situam-se na primeira zona o voo normal de cruzeiro, subida, descida e manobra, enquanto a segunda abrange o voo a baixas velocidades, nomeadamente as manobras de descolagem e aterragem.

A esta zona sombreada, à esquerda da linha de máxima autonomia, onde uma redução de velocidade implica um aumento de potência, contrariamente ao que seria normal, dá-se o nome de “zona de inversão de comandoou zona de inversão de potência”.

Vamos dedicar, esta semana, a nossa atenção à metade esquerda das curvas da potência. Em Rallye Aéreo, na nossa Equipa, efectuávamos as aterragens de grande precisão (aterragens numa faixa de 2 metros de profundidade) voando na “zona de inversão de potência”. Conseguíamos voar a velocidades incrivelmente baixas, importantes para a precisão. Nota, porém, que voar nesta zona é definitivamente difícil e exige muito treino. Doutro modo é perigoso voar nesta zona, pois muito facilmente o avião pode entrar em perda. Além disso torna-se difícil controlar o avião dada a pouca eficácia dos lemes a baixa velocidade. Se não tiveres esta prática nunca tentes aterragens na “zona de inversão de potência”. Um conselho do Fernando!

Vejamos um exemplo real. O avião da Equipa Portuguesa no Campeonato Europeu de Rallye Aéreo em Dubnica nad Vahom. Na primeira foto pode ver-se o Cessna C172 a voar em plena “zona de inversão de potência”, mais concretamente no “Ponto nº 1” das curvas da potência. Note-se que o “Ponto nº 1” destas curvas corresponde à velocidade mínima para a potência disponível.

Avião da Equipa Portuguesa, aproximando-se da zona dos “2 metros”, em plena situação de voar na “zona de inversão de potência”. Reparar na posição dos flaps (40º), no ângulo do eixo longitudinal da aeronave, na posição do leme de profundidade e na asa direita em baixo devido ao torque do motor e à baixa velocidade do avião. Uns décimos de segundo antes da aterragem.

Na foto seguinte já foi retirada toda a potência do motor para o fazer o avião afundar porque entrando em perda. Porém, nota que a 20 ou 25 cm do solo! Sem potência, a uma velocidade baixíssima que facilita a percepção da distância da aeronave à faixa dos “2 metros” o avião irá aterrar com o trem principal em cima da faixa ou o mais próximo dela possível. Uma técnica muito treinada para garantir eficiência. Outras técnicas foram experimentadas mas com piores resultados para a nossa equipa.

O mesmo avião depois de ter sido retirada a potência do motor já quase em cima da zona dos “2 metros”. Nesta altura a aeronave já tinha deixado praticamente de voar na “zona de inversão de potência”. Note-se a diminuição nítida do ângulo de ataque, as asas já direitas, as rodas paradas e ainda no ar e o trem principal quase a atingir a faixa. Nesta posição o avião já não se aguenta a voar e vai acertar no alvo.

Então, chegado a este ponto perguntarás, com certeza: “ – O que se pretende demonstrar ao executar aterragens na “zona de inversão de potência”?”. Simplesmente que se é capaz de fazer aterragens em pistas muito curtas! Ou melhor: muitíssimo curtas. Continuando com as tuas dúvidas vais replicar: “ – Para que serve isto se voo sempre em aeródromos que têm uma pista disponível com um comprimento duplo ou triplo daquilo que preciso para o meu avião?”.

Esta técnica de aterragem pode ser-te muito útil se, um dia, lá em cima, o motor parar e tiveres de fazer uma aterragem de emergência num terreno qualquer que, quase certamente, não será um aeródromo. Aí vais perceber a vantagem de seres capaz de aterrar a uma velocidade muito reduzida. Primeiro encontrarás mais “pistas” para colocar o teu avião em terra firma. Depois, como a possibilidade de te magoares é proporcional à energia cinética com que aterras, perceberás como é bom teres uma energia cinética baixa. Como tu sabes a energia cinética é proporcional ao quadrado da velocidade!

Meu Caro, termino com um conselho que é, ao mesmo tempo, um sério aviso: aterrar conduzindo o avião na “zona de inversão de potência” pode ser perigoso e nada aconselhável, a menos que estejas muito treinado. Numa situação normal evita este tipo de aterragem pois a zona de inversão de potência pode trazer-te dissabores.

Porém, se tiveres que fazer uma aterragem de emergência aconselho-te a manobra. Fi-la centenas de vezes, na forma simulada, com o António. Throttle a fundo, rodas a 30/40 cm da pista, ailerons a compensar o torque dos 160hp do Lycoming IO-360, throttle todo atrás e as rodas do C172 a ficarem na fita de 2m de profundidade para averbar “0” pontos de penalização. Uma vantagem de quem já praticou Rallye Aéreo.

Para a semana continuaremos com o tema. Passaremos ao lado direito das curvas da potência e aos factos ocorridos durante o acidente. Até lá cuida-te nas aterragens. Um conselho do Fernando. Q

Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ

Como sempre, um abração do

Fernando

Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.

Meu Caro,

Esta semana a minha croniqueta versará um tema único: os cintos de segurança, em especial aquela variante que dispõe de “airbags”.

Estão disponíveis, a partir do dia 17 de Abril, na página eletrónica do GPIAA:

·         O Relatório Final do Acidente com o Alon A2-A, registo CS-AIG, ocorrido no dia 06 de março de 2010, na Herdade “Pinheiro e Cavaleiro”, Ciborro, Montemor-o-Novo, (também em versão inglesa)

·         O Mapa Síntese dos Acidentes com Aeronaves Civis - Processos de Investigação de Segurança abertos em 2010

·         O Relatório da Avaliação da Carta de Missão que tem por finalidade divulgar a ação desenvolvida e os resultados obtidos pelo GPIAA no período da comissão de serviço do seu dirigente máximo (2009-2012).

AIRBAGS NA AVIAÇÃO GERAL

No universo da Aviação Geral os dispositivos de restrição do movimento do corpo, quer dos pilotos, quer dos passageiros, em caso de embate de aterragens de emergência é regido pelo Artº 562 da FAR Part 23. Para conheceres os pormenores da legislação aplicável por imposição da FAR Part 23.562 (Emergency landing dynamic conditions) basta seguires a hiperligação. Seguindo-a ficarás a conhecer os pormenores técnicos.

Nos meus tempos de jovem condutor de automóvel foi criada legislação que passou a obrigar o condutor e os passageiros a usarem cintos de segurança. Os resultados mortais e graves da sinistralidade diminuíram substancialmente. A sinistralidade diminuiu ainda mais quando os carros passaram a estar equipados com os denominados “airbags” de abertura automática quase instantânea em caso de embate frontal.

A problemática de protecção da cabeça e do torso dos pilotos e passageiros de um avião é, porém, diferente da de um automóvel. Cintos de dois, três e quatro pontos de amarração num avião é coisa trivial nos aviões já há muitos anos. O mesmo já não se pode dizer de sistemas de “airbag”. No volante, leia-se “yoke” ou “manche”, não se podem instalar “airbags” visto estes dois dispositivos serem móveis por natureza. Os painéis de instrumentos normalmente não têm locais livres para a instalação dos “airbags”. Então, onde instalá-los? Os fabricantes optaram por instalá-los nos próprios cintos de segurança da aeronave. Na imagem seguinte pode ver-se o modo de operação de um “airbag” específico para aviões de Aviação Geral.

 

Modo de Operação de um airbag específico para aeronaves de Aviação Geral.

Os cintos de segurança equipados com “airbaig”, apesar da sua semelhança com os sistemas vulgares de cintos de segurança, têm particularidades próprias. Assim, o “airbag” fica instalado no tramo abdominal daqueles. Em caso de desaceleração violenta o “saco” é projectado para cima e para a frente do assento do ocupante. Com a projecção nestas direcções, os ocupantes do avião, independentemente do seu tamanho, ficam automaticamente com a cabeça, pescoço e torso, protegidos em caso de impacte da aeronave

Cinto de três pontos com “airbag”. Este encontra-se instalado no troço abdominal.

Apesar de ser um dispositivo cujo custo não é muito elevado tendo em atenção os níveis de Segurança que se podem obter com ele, é um dispositivo que, pessoalmente, nunca vi instalado num avião que eu tenha viajado. Nos USA, desde 2001, cerca de 80% das aeronaves novas estão equipadas com cintos com “airbag” como equipamento standard. Porém, os aviões antigos também podem sofrer um “retrofit” coberto por uma STC.

Queres ver como funcionam os airbags na realidade? Segue a hiperligação relacionada com “Accident Survivor of Crash in Swiss Alps” e verás um vídeo muito interessante.

Contudo, não há bela sem senão. A deficiente utilização dos cintos equipados com “airbag” pode tornar-se perigosa. Para isso mesmo alerta a FAA, através do seu SAIB CE-12-27 datado de 16 de Abril de 2012, cujo tema é “Flight Compartment Equipment; Inflatable Seat Restraints”. Para poderes aceder ao conteúdo do SAIB basta seguires a hiperligação.

Este SAIB lembra-nos que o NTSB publicou um estudo de segurança intitulado “Airbag Performance in General Aviation Restraint Systems”. Se quiseres conhecer o conteúdo deste interessante estudo basta-te seguir a hiperligação. Este estudo apresenta uma investigação sobre os “airbags” aplicados nos cintos dos aviões visto que em Agosto de 2010 estavam instalados dispositivos deste tipo em 18.000 assentos de 7.000 aviões do universo da Aviação Geral. O citado estudo foca-se em 10 acidentes com aeronaves, nos quais houve abertura dos “airbags”. Daqueles, houve dois que levaram o NTSB a produzir recomendações.

Apesar do estudo se focar especialmente nos cintos com “airbag”, as recomendações produzidas não se restringem exclusivamente a este tipo de cintos. Trata-se de recomendações genéricas.

O primeiro acidente envolveu um Cessna Modelo T182T. Neste caso, nenhum dos cintos de três pontos (dorsais e abdominais) equipados com dispositivo de “airbag”, que equipavam os assentos dos três passageiros, encheram deixando assim, os ocupantes desprotegidos. Depois de investigado o incidente concluiu-se que tal ficou a dever-se à direcção predominante do embate ter sido vertical em vez de ântero-posterior. Felizmente os ocupantes sobreviveram ao choque.

Numa entrevista feita ao piloto após o acidente este revelou que, antes da descolagem o passageiro que ocupava o lugar esquerdo da frente, incorrectamente tentou utilizar o cinto do assento do lado direito. O piloto, um instrutor de voo, confirmou, ainda que, em outros voos em Cessnas 172 e 182, os alunos por diversas vezes utilizaram os cintos incorrectos.

Em certos aviões da marca Cessna, os passageiros podem apertar incorrectamente os cintos de tal modo que os “airbags” errados podem ser accionados. Por esta razão o fabricante de cintos com “airbag” – AmSafe – tomou medidas suplementares em relação aos manuais dos Cessna’s Skywalk, Skylane e Stationaires. Assim, deverá existir uma etiqueta de aviso na ponta do cinto. Adicionalmente a Cessna emitiu “Service Bulletins” específicos para os aviões equipados com cintos com “airbag”. Estes SB devem estar reflectidos no POH dos aviões.

A fig. 1 seguinte mostra a maneira correcta – à esquerda – e a maneira incorrecta – à direita – de apertar os cintos de três pontos equipados com “airbag”.


À esquerda o modo correcto de apertar os cintos. À direita o modo incorrecto de apertar os cintos.

Por exemplo, no caso da direita, se o ocupante no assento esquerdo apertar o cinto do assento do lado direito ao seu próprio conjunto de cintos – fivela do lado de fora – o sistema de “airbag” no cinto não utilizado ficará activo enquanto o “airbag” do cinto que está afivelado ficará inactivo.

O segundo acidente relatado pelo NTSB envolveu um Cirrus SR-22, este equipado com cintos de quatro pontos dispondo de “airbags” como se mostra na figura seguinte.


Cintos, de 4 pontos de fixação e airbags, mal regulados

A figura anterior mostra como os cintos ficam pendurados na situação livre e não afivelados. Nesta situação as fivelas ficam numa posição alta, acima da posição aconselhável, acima da posição correcta que deverá fazer com que o passageiro leve o cinto em torno das ancas. Neste segundo acidente todos os quatro ocupantes da aeronave sobreviveram. Contudo, três deles parece que tinham os cintos mal apertados pois as fivelas encontravam-se em cima do peito ou imediatamente abaixo do externo como indicam as setas na figura seguinte. Nesta figura mostra-se a posição correcta em que se devem colocar os fechos do cinto, baixos e bem apertados em torno das ancas.

Um dos ocupantes confirmou que utilizava sempre os cintos com o fecho na zona do externo. Este ocupante, após o acidente, apresentava queimaduras no peito provocadas pela má colocação dos fechos dos cintos. Também as feridas provocadas na cara dos ocupantes da aeronave foram provocadas pelo facto da expansão rápida dos “airbags” se ter dado muito acima e próximo da cara dos utilizadores. Afinal, tudo provocado por um deficiente posicionamento dos cintos. Tudo isto apesar do POH do Cirrus SR-22 explicar correctamente a posição mais adequada dos cintos dos assentos do avião. Porém, há pilotos que não ligam a certos pormenores acabando por prejudicar os seus passageiros.


Cintos de 4 pontos de fixação – Fecho do cinto na posição correcta – posição baixa e apertando as ancas

A FAA recomenda que, quer o piloto quer os seus passageiros deverão utilizar os cintos correctamente. Tal como nos automóveis, os “airbags” nos aviões não são perigosos. Pelo contrário dão segurança adicional o que pode salvar muitas vidas. Contudo, se qualquer um dos cintos dos assentos não for utilizada adequadamente podem perder-se todos os benefícios que é suposto eles fornecerem. Este princípio aplica-se aos cintos com ou sem “airbag”.

Deixa-me terminar recomendando-te duas coisas:

  • Se houver um STC (Supplemental Type Certificate) para poderes instalar cintos com “airbag” no teu avião não deixes de o fazer;
  • Na próxima vez que fores voar coloca o cinto na posição correcta, quer ele tenha “airbag” ou não.

Dois conselhos do Fernando para que os teus voos sejam mais seguros.

Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ

Como sempre, um abração do

Fernando

Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.

Meu Caro,

Iremos começar com um artigo versando uma matéria de última hora, relacionada com uma posição da EASA em matéria de formação de pilotos.

Depois iremos analisar a manutenção preventiva e preditiva. Um tema fundamental para a segurança em época de crise financeira. Terminaremos com a análise de um acidente grave com um helicóptero.

O ENSINO DA AVIAÇÃO – UM PRIMEIRO PASSO PARA A SEGURANÇA OPERACIONAL

Durante os muitos anos em que leccionei aeronáutica, imensas vezes fiz a comparação sobre o ensino que se praticava nos USA e na Europa. Sempre achei o ensino americano muito mais prático faltando-lhe, em meu entendimento, algum do substrato teórico que se pratica na Europa.

Porém, sempre que meditava sobre este tema concluía que estávamos perante dois processos diferentes mas igualmente eficientes. Nunca nos podemos esquecer do peso da Aviação Americana a nível mundial. Se descermos ao mundo exclusivo da Aviação Geral não nos podemos esquecer de que dois terços da General Aviation, está dentro dos Estados Unidos. Afinal a Aviação Geral naquele país é, essencialmente, um meio de transporte enquanto na Europa se reveste, em boa parte, numa actividade lúdica. Como tal, a Aviação Geral Americana é, em minha opinião, uma actividade mais complexa. Implica voos em condições meteorológicas mais complicadas já que uma boa parte deles não são adiáveis para quando está bom tempo.

Vem esta reflexão, esta semana, a propósito de quê? De uma decisão Europeia que nos deixa de boca aberta. Vejamos que decisão foi tomada pela EASA:

European pilot certificates only, please!

New flight crew licensing rules in Europe, which went into effect April 8, officially end the reciprocity agreements that have existed for decades between Europe and the United States.

Para saberes mais segue a hiperligação. A partir do artigo ao qual te ligarás poderás perceber melhor o problema. Mascarado com um problema de qualidade insuficiente dos pilotos americanos perante os standards europeus – penso que efectivamente temos, sim, uma guerra comercial – proíbe-se, na Europa, o voo de pilotos com licença FAA, obrigando-os a exames escritos e provas de voo com mínimos absurdos.

Em meu entendimento estamos perante uma guerra de arlequim e manjerona. Certamente os americanos não deixarão de retaliar. O que virá do outro lado do Atlântico? E se, por exemplo, os americanos considerassem que os PLA’s europeus não tinham nível para frequentar os aeroportos americanos sem serem submetidos a testes e provas de voo periódicas? Afinal, parece que o voo AF447 deixa os europeus muito tremidos na fotografia… Por outro lado, com as novas leis americanas que impõem mínimos de experiência muito elevados, não ficariam de fora muitos co-pilotos europeus?

Em minha opinião a EASA, em algumas situações, não justifica a sua existência. Esta é uma delas. Uma opinião do Fernando! Q

MANUTENÇÃO PREVENTIVA E PREDITIVA

É costume dizer-se que, quando um avião sai de uma grande revisão sai às “zero horas”. Nestas minhas crónicas já por diversas vezes afirmei que isto era uma falácia, uma “inverdade” ou, para utilizar uma expressão mais popular, uma “grande mentira”. Há peças que fazem parte dos nossos aviões que envelhecem inexoravelmente desde o primeiro minuto em que foram fabricadas sem que haja qualquer processo de parar o seu envelhecimento ou de voltar com o cronómetro para trás.

Ao ler a edição de Fevereiro/Março da revista “Aviation Maintenance” deparei com um artigo que começava assim: “When it comes to airplanes an ounce of prevention is worth a pound of money”. É uma expressão idiomática que joga com a relação entre as medidas de peso imperiais. Vou tentar traduzir o melhor possível tentando não perder o sentido lógico da frase. Pode dizer-se que “Quando se trata de aviões uma “onça” de manutenção vale uma “libra” de dinheiro. Visto 1 libra corresponder a 16 onças, temos um factor multiplicador extremamente grande. Assim, se se fizer uma manutenção correcta poupa-se imenso dinheiro no custo de exploração do avião.

Segundo nos diz Dale Smith, no artigo a que atrás me refiro, os aviões estão velhos e envelhecendo. Parece um jogo de palavras mas não é. É uma verdade insofismável e aplica-se a todo e qualquer tipo de avião a que nos possamos referir. Apesar das enormes listas de encomendas publicadas, quer pela Airbus, quer pela Boeing, a idade média de um jacto comercial de passageiros, em exploração, é calculada de um modo optimista, em cerca de 13 anos. Se pensarmos nos chamados “jactinhos” corporativos teremos de esticar este valor um bom bocado pois alguns foram construídos nos idos de 60 e 70. Se pensarmos nos monomotores convencionais, então, o número sobe assustadoramente para os 50 anos.

O que é que tudo isto significa, quer para os Técnicos de Manutenção Aeronáutica (TMA), quer para os proprietários das aeronaves? Simplesmente que, quer tu penses num Cessna C177 quer num Boeing “triplo sete”, a manutenção proactiva preventiva se tornou mais importante do que nunca.

Quando Dale Smith fala em “manutenção preventiva” não está a falar daquelas operações que estão descritas nos “Manuais de Manutenção”. Smith refere-se, sim, àquela infinidade de pequenas operações que podem ser feitas todos os dias, não só para aumentar anos à vida útil da aeronave, como para diminuir os tempos de inoperabilidade daquela e os custos de manutenção standard. Muita desta manutenção proactiva não vem descrita nos manuais de manutenção do fabricante.

Um outro especialista, George Laiten, director do programa da Bombardier na West Star Aviation, e um grande especialista em manutenção preventiva, dá-nos um exemplo curioso numa área típica do avião na qual a manutenção proactiva é de uma enorme importância. Daquela que não vem descrita nos manuais. Essa área é a dos trens de aterragem. Porquê? Por duas razões principais. A primeira será o ambiente muito contaminado em que trabalham os trens – água, gelo, “de-icing fluids”, sujidade e vibração. A adicionar a tudo isto temos os esforços aplicados durante as aterragens. Mas, para além disso, temos a prática de lavar os trens com mangueiras de jacto de alta pressão, uma prática que nunca deveria ser posta em prática. Até o jacto de uma mangueira de baixa pressão poderá ter uma pressão demasiado elevada.

George Laiten dá-nos um exemplo de uma prática de limpeza imprópria. Diz-nos Laiten que por mero acaso chegaram, simultaneamente à oficina para a qual trabalha, dois aviões da mesma marca/tipo com S/N seguidos. Um dos aviões apresentava o trem sujo com um aspecto sujo de massa consistente. Ao contrário da outra aeronave, dava a impressão de não ser limpo há muito tempo. Contudo isto não significava, de modo algum, que era mal mantido. Porque ambos os aviões vinham à oficina para realizar uma revisão dos respectivos trens, estes foram desmontados.

Para espanto de todos o trem todo limpinho apresentava um estado de desgaste bem pior do que aquele que tinha chegado à oficina sujo de massa consistente e com mau aspecto! Naturalmente o custo de reparação do trem “limpinho” foi bastante superior ao daquele todo engraxado. Provavelmente o primeiro tinha sido sujeito a técnicas de limpeza erradas enquanto o segundo não.

Efectivamente uma lavagem com mangueira de alta pressão pode ser um perigo. Porquê? Porque os vedantes do trem não estão preparados para as elevadas pressões de certos sistemas de lavagem à pressão. Nestes casos podem ocorrer infiltrações de água e a humidade que estas geram pode danificar definitivamente o próprio trem. Este conceito da lavagem dos trens feita a alta pressão pode ser estendido a toda a restante estrutura da aeronave.

Sendo o artigo bastante extenso penso poder tirar a seguinte elação. A manutenção não se deverá resumir exclusivamente às intervenções preconizadas nos Manuais de Manutenção e, por outro lado, deve ser executada por quem sabe. Um TMA com pouca experiência poderá provocar danos que nunca deveriam acontecer numa aeronave. Como tal procura sempre pessoas experimentadas ou oficinas cuja organização não permita os citados danos. Um conselho do Fernando. Q

UM ACIDENTE ESTÚPIDO DE HELICÓPTERO

Eu diria que, quase por definição, um acidente é um acontecimento estúpido. Pelo menos no linguarejar comum. Nesta minha crónica não costumo abordar muitos acidentes com helicópteros visto poucos dos meus leitores estarem ligados ao mundo deste tipo de aeronaves.

Porém não resisto a assinalar um acidente com um helicóptero que levou à morte o piloto e dos seus dois passageiros.

Helicóptero Hiller UH-12E idêntico à aeronave acidentada.

O helicóptero Hiller UH-12E que sofreu o acidente tem a particularidade de ter o lugar do piloto situado na linha de eixo longitudinal da aeronave e um lugar de passageiro de cada lado do piloto. Apesar da sua extraordinária visibilidade, mesmo assim, por vezes, este helicóptero é operado sem as portas.

No voo em que ocorreu o acidente, a aeronave, para além do piloto, era ocupada por dois cientistas dedicados ao meio ambiente. Dada a necessidade de fazer certas observações, durante o voo fatal, o helicóptero voava sem portas.

Como todos nós já reparámos, os americanos andam muitas vezes com umas pequenas pranchetas equipadas com uma mola que segura os papéis. Um objecto muito útil e querido no outro lado do Atlântico. Mas, se é útil, também pode ser perigoso. Um dos cientistas trabalhava com a pranchetazinha de alumínio para registar as suas notas. Porém, teve o azar de a deixar cair e, como a porta estava aberta, a prancheta não teve mais lugar nenhum onde colidir senão no rotor de cauda do helicóptero, que se partiu. Como sabes, um helicóptero que fica sem rotor de cauda é uma aeronave totalmente descomandada e o acidente deu-se, falecendo todos os três ocupantes da aeronave.

Se por acaso tiveres necessidade de voar num helicóptero com a porta aberta, assegura-te que todos os teus utensílios estão amarrados de modo a garantir que se eles saírem borda fora não vão embater em nenhum dos rotores. Um conselho do Fernando. Q

Deixa-me terminar lembrando-te que Aviação sem Segurança Operacional não é Aviação. Nunca te esqueças que esta, por sua vez, depende do teu airmanship e da tua postura como Aviador.QQ

Como sempre, um abração do

Fernando

Fernando Teixeira, por opção intelectual, escreve de acordo com a antiga ortografia.